Primeiro de Maio é uma data diferente das demais. Marcada por um fato – a revolta dos trabalhadores contra a ordem estabelecida – com ela começou a sua história. Entrou na lista dos dias feriados de modo não pacífico. Enfrentou décadas de contendas sociais. Foi considerada subversiva, depois reivindicadora e hoje é uma data que se ocupa mais com o ócio. No início foi proclamada dia de luto e luta. Luto pelos mártires de Chicago que participaram de um comício grevista em 1886; e de luta pela causa dos trabalhadores.
Merece ser festejada pelo que se conquistou, mas não pode perder a sua marca original de dia de luta, porque ainda falta muito a se fazer para que o trabalho seja reconhecido em toda sua dignidade, conforme o projeto de Deus. Venceu-se a luta pela jornada de 8 horas de trabalho, mas existe, hoje, como prioridade na luta, o emprego que implica o dever do Estado de garantir trabalho para todos. Importante que o 1o. de Maio seja, permanentemente, dia de reflexão.
Respeitado na sua dignidade, o trabalho é o segredo para construir-se a harmonia nas relações da sociedade. Pelo trabalho, a pessoa humana afirma-se na sua necessária autoestima, humaniza a natureza, realiza-se na sua dimensão familiar e como construtora de uma pátria e de uma cultura. Assim sendo, é preciso enfrentar o desafio de caminhar ao encontro de um modelo de civilização, ou sistema econômico, que submeta o trabalho ao homem e não o homem ao trabalho. O neoliberalismo tem mostrado sua incapacidade de conviver com a justiça social e o coletivismo de respeitar a liberdade.
Os líderes mundiais de hoje têm procurado uma terceira via. O Papa João Paulo II, já em 1981, na encíclica “Laborem exercens”, sobre o trabalho, respondendo diretamente a esse desafio, aponta a “socialização” como alternativa das versões tanto capitalista como coletivista da propriedade: “Sob esse ponto de vista, em consideração do trabalho humano e do acesso comum aos bens destinados ao homem é também para não excluir a socialização de certos meios de produção.” (LE, 18)
Para fazer prevalecer esse sentido personalista do trabalho, o caminho é promover-se a prática da “solidariedade entre os homens do trabalho e da solidariedade com os homens do trabalho”. É tarefa a ser assumida, com muita responsabilidade, pelos sindicatos, não com o propósito de incentivar luta de classes, mas a luta pela justiça social e pelo direito dos homens do trabalho, conforme suas diversas profissões. Reside no mais profundo desses anseios a defesa da dignidade do trabalho: não se pode alienar o homem do fruto do seu trabalho e muito menos escravizá-lo ao fruto do seu trabalho.
Não é saudável ao ser humano carregar o sentimento que seu trabalho serve mais ao bem de outros que à sua própria realização. Na perspectiva da antropologia cristã, há que harmonizar-se o progresso da humanidade, herdeira do passado e construtora do futuro, com a verdade revelada que nos diz ter sido o homem criado à imagem e semelhança de Deus. Essa mensagem bíblica nos ensina que ele recebeu de Deus a missão de prolongar, pelo trabalho, a obra da criação que o Criador lhe confiara inacabada. Uma civilização decorrente dessa visão requisita do homem suas energias físicas, mas também suas energias divinas. Aquelas são de aparência menos nobres e estas são as da criatividade, do amor, da inteligência, da participação, da comunhão.
A antropologia cristã vê o homem como remido por Cristo. Pelo trabalho, o homem, no sofrimento, na fadiga e na dor, “completa o que falta à paixão de Cristo”, pelo trabalho redime o mundo e o consagra a Deus. “O cristão, atento em ouvir a Palavra de Deus, unindo o trabalho à oração, procura saber que lugar ocupa o seu trabalho, não somente no progresso terreno, mas também no desenvolvimento do Reino de Deus” (Laborem exercens, 27). O Concílio Vaticano II, na constituição “Gaudium et spes”, já havia nos deixado a observação: “Embora se deva distinguir cuidadosamente o progresso terreno do crescimento do Reino de Cristo, todavia, à medida que tal progresso pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, isto tem muita importância para o Reino de Deus.” (GS, 39)
O valor maior do trabalho humano não se mede pelo que produz, nem pela posição social de quem o faz. Mede-se, sobretudo, por aquilo que é: trabalho humano. Se eu passasse, de cabeça coberta com chapéu, diante de um varredor de rua, sentado na calçada à hora do almoço, de marmita na mão, eu lhe deveria tirar o chapéu, em sinal de profundo respeito por tudo que este quadro representa. Faz-me lembrar o monge Dom Marcos Barbosa com a sua sensibilidade de poeta: “Varredor que varres a rua, tu varres o Reino de Deus”.
Dom Eduardo Koaik é bispo emérito de Piracicaba IMPRIMA ESTE TEXTO
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