segunda-feira, 11 de abril de 2011

TAREFAS DO CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO (VI): DESAFIO DA ESPIRITUALIDADE

Em uma das aulas no curso de mestrado em teologia, em 1986, Hugo Assmann nos disse que se a teologia da libertação perder a bandeira da espiritualidade para setores mais conservadores e carismáticos será o seu fim. É claro que ele não falava do fim no sentido literal, mas da perda da sua força social e eclesial, pois há teologias que sobrevivem por anos mesmo sem muito impacto na vida das igrejas ou na sociedade.

Hoje, tantos anos depois, depois de tantos debates e textos sobre as causas do declínio da força e influência da teologia da libertação, das cebs e no sentido mais amplo do próprio cristianismo de libertação, não é difícil reconhecer que Assmann tinha apontado para um problema real.

Desde o início, os principais teólogos da libertação afirmaram que a TL é o momento segundo, sendo que o primeiro é a prática de libertação e o momento "zero”, a experiência espiritual de encontrar nos pobres a face de Jesus. Com o passar do tempo, foi se perdendo referência a este momento "zero” e o discurso se tornou cada vez mais "árido”, marcado pelo tom sócio-político. Mais do que isso, podemos dizer que a TL, mesmo que inconscientemente, acabou reproduzindo a lógica teológica mais tradicional de pensar que tinha uma verdade (no caso aqui a libertadora) que deveria ser transmitida (através da "conscientização” ou de cursos) às igrejas e ao povo.

Na medida em que se pensa que possui a verdade sobre o evangelho da libertação, passa a ter muita dificuldade em lidar com pessoas e grupos que pensam diferente ou que expressavam a mesma experiência espiritual (momento zero) com uma linguagem religiosa ou social diferente. Para aqueles que crêem que têm a verdade, quem pensa diferente não pensa diferente, mas errado. Esta postura, além de errada, é contraproducente, pois há, por ex, pessoas com linguagem espiritual-religiosa carismática (católicos e protestantes) ou pentecostal (evangélicos e pentecostais) que compartilham da mesma experiência espiritual e a mesma indignação ética frente a injustiças e pobreza. E, ao invés de um diálogo e aliança, passa a ter uma relação de confronto ou de rivalidade.

É claro que muitos no cristianismo de libertação trataram do tema da espiritualidade. Temas como "mística e revolução” e livros sobre espiritualidade a partir da Bíblia são provas disso. Mas algo aconteceu e não conseguimos criar uma espiritualidade forte no interior das lutas sociais e políticas ou uma espiritualidade com a marca da libertação. Justapomos o tema da espiritualidade e mística ao lado de temas sócio-políticos, mas tivemos muita dificuldade em fortalecer a vivência e reflexão da espiritualidade que está na origem e impulsiona as práticas de libertação de dentro.

O que exige reflexões e práticas espirituais (como retiros espirituais) que respondam aos problemas e perguntas que surgem na luta. Tais como, frustrações diante de expectativas não realizadas, o mistério do mal no nosso meio, como manter se fiel à causa dos pobres quando participamos do poder ou de privilégios econômicos etc.

Eu penso que devemos retomar alguns dos princípios fundantes da TL. Gustavo Gutierrez nos dá uma pista: "Seguir a Jesus define o cristão. Refletir sobre esta experiência é o tema central de toda teologia sadia. [...]

A firmeza e a força de uma reflexão teológica estão, precisamente, na experiência espiritual que lhe serve de respaldo. Esta experiência é, antes de tudo, um encontro profundo com o Senhor e sua vontade. [...] Uma reflexão que não nos ajuda a viver segundo o Espírito não é uma teologia cristã. [...] uma teologia que não se prende a um contexto de vivência da fé corre o risco de converter-se numa espécie de metafísica religiosa, numa roda que gira no ar sem mover o veículo” (Beber do próprio poço).

Fortalecer a espiritualidade de libertação que seja expressão da "vida espiritual” no interior das práticas de libertação e construir diálogo e aliança com outros setores do cristianismo que expressam a mesma experiência espiritual (momento "zero”) com linguagens e símbolos diferentes são caminhos fundamentais para o futuro do cristianismo comprometido com a vida dos pobres e oprimidos/as.

Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo

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