quinta-feira, 2 de julho de 2009

''A ECONOMIA SOLIDÁRIA ENTRA NA ENCÍCLICA DO PAPA''

"O Papa adequou a encíclica à crise". Quem explica o atraso, as correções específicas, as reelaborações da "Caritas in veritate" são duas personalidades (uma vaticana e outra leiga) que em grande parte contribuíram com o texto. "A escrita já estava quase acabada há nove meses e, quando estava pronto para ser publicada, os bancos norte-americanos faliram – destaca o economista Stefano Zamagni. No dia 15 de setembro, quebrou o Lehman Brothers, e, naquele ponto, o Papa decidiu que não era possível não levar isso em consideração. Em termos jurídicos, o Pontífice pediu um 'suplemento de pesquisa' para levar em consideração adequadamente o colapso financeiro mundial. E não era possível fazer diferente, porque o conjunto da encíclica é sobre a globalização, e por isso está estreitamente entrelaçada à crise atual".

Quanto aos influxos sobre o texto, a "inspiração" de Giulio Tremonti, sugerida pela imprensa, sai redimensionada. "O termo de Tremonti 'mercatismo' não aparece na encíclica, considerado como sinônimo de anarco-liberalismo – indica Zamagni. Com relação ao 'pós-crise', as posições dos especialistas consultados divergiam. Alguns queriam que a encíclica se centrasse muito sobre a crise. Eu, ao invés, considerava que não era o caso de calcar muito a mão, porque, três anos depois da tempestade, ninguém falará mais sobre isso, portanto não se pode vincular uma encíclica que dura há décadas a um evento contingente como uma dramática crise dos mercados".

Assim, no texto, "a crise aparece como exemplo notável da avidez elevada em nível moral, mas não há um capítulo sobre a crise, mesmo que ela constitua uma exemplificação que volta em vários pontos", afirma Zamagni. "Em diversas passagens, a crise serve de pano de fundo e paradigma ao raciocínio, como quando se diz que, se a economia de mercado perde a orientação ao bem, degenera criando desemprego ou neocolonialismo. Nesses e em outros cenários, a crise testemunha e reforça os assuntos da encíclica". Portanto, acrescenta Zamagni, "há um grande parágrafo sobre o problema mais estrutural da destruição ambiental, enquanto que as páginas sobre a crise não são mais do que 2% do total".

Mas a parte destinada a despertar mais interesse é a das "propostas concretas". Evidencia Zamagni: "Pela primeira vez em uma encíclica, as experiências de Economia solidária fazem a sua aparição. Além disso, louva-se abertamente a deliberação do dia 19 de fevereiro pela qual a unanimidade do Parlamento Europeu acolheu e assumiu como própria a ideia da economia social com pluralismo de formas de empresa, não só capitalistas".

Por isso, "a encíclica dá razão à escola italiana da economia civil com relação à escola anglo-saxã da economia política, ao acrescentar no discurso econômico o princípio da reciprocidade, ao lado dos princípios clássicos da troca e da redistribuição". Isto é, "a doação, o dom, tendo valência econômica, deve entrar nas empresas, nas famílias, nas organizações". E "em vez de ser reduzida à mercadoria, a pessoa, o trabalhador é colocado no centro e, se não trabalha, é repreendido, mas como se faz quando se pune um filho para educá-lo para o crescimento".

O ministro do Vaticano competente sobre a matéria circunstancia a "releitura" da encíclica na ótica da crise. "Algumas passagens mudaram – afirma o cardeal Renato Raffaele Martino, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz. Para levar a crise em consideração, sobretudo a partir de março, foi preciso fazer alguns ajustes. Por meio de um trabalho que durou até o final do encontro que tive com Bento XVI no dia 29 de maio, foram inseridas referências ao cenário econômico que mudou, com base nos efeitos registrados em escala mundial".

Depois, acrescenta Martino, "foram feitas modificações na parte especificamente propositiva à tempestade que sobreveio, à luz do quadro pós-crise, com as soluções a serem adotadas". Permanece firme, porém, a ideia de que, "mais do que nas soluções práticas, o texto está centrado no apelo aos princípios da doutrina social". Portanto, "apelos à realidade concreta, mas atenção particular nas dinâmicas financeiras, na economia de papel, nos mercados viciados". Segundo um esquema que inclui "promoção da paz, direitos humanos, subsidiariedade, humanismo globalizado do trabalho, compromisso caritativo".

A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no jornal La Stampa, 1º-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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