sábado, 30 de julho de 2011

DAI-LHES VÓS MESMOS DE COMER...

Depois do discurso das parábolas (Mt 13,1-52), a comunidade de Mateus apresenta Jesus vivendo a justiça do Reino (Mt 13,53-17,27). É um projeto alternativo e oposto ao sistema de opressão romana que, por fim, crucifica o autor da vida com o apoio dos governantes dependentes do império, isto é, os sumos sacerdotes na Judéia e a família de Herodes na Galiléia.

Em Mt 13,57, Jesus já constata que não é bem acolhido em Nazaré. Na sequência, Mateus relata como o banquete dos poderosos é regado com o sangue do profeta João Batista. Ontem e hoje, o poder não suporta quem defende a vida dos mais pobres e de quem questiona as injustiças dos que estão a serviço do ídolo riqueza (Mt 14,1-12).

O pai de Herodes Antipas já tentara matar o menino Jesus (Mt 2,13). E seus partidários estavam instruídos para também eliminá-lo quando adulto (Mc 3,6; 12,13). Não é por acaso que Jesus manda ter cuidado com o fermento dos herodianos, isto é, com sua ideologia e seu modo de vida (Mc 8,15).

Ao contrário do projeto de morte, a proposta de Jesus é um programa de vida e que não é possível viver no espaço onde são realizados os banquetes manchados com o suor e o sangue do povo. Por isso, ele se afasta e vai ao deserto (Mt 14,13.15), seguido pela multidão. Ir ao deserto é fazer memória do projeto libertador de Moisés. Depois de muitas dificuldades na caminhada por terras áridas, também ele celebrara o banquete da vida ao partilhar o maná entre todas as famílias, de acordo com a necessidade de cada uma (Ex 16,13-36).

E Jesus teve compaixão das multidões, devido às suas muitas doenças e à sua fome (Mt 14,14). Nesta narrativa, há duas propostas para resolver a fome das multidões. Os discípulos seguem a lógica do dinheiro: despedir a quem tem fome para que, de forma individualista, compre comida para si (Mt 14,15). Essa não é uma solução justa, pois certamente eram poucos os que tinham dinheiro. E o projeto dos que controlam o dinheiro não é solução para a fome do povo.

A solução que Jesus propõe é outra. E ela está em nossas mãos: Dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14,16). Está também ao nosso alcance: temos aqui cinco pães e dois peixes (Mt 14,17). E todos sabemos que sete significa totalidade, plenitude. A saída não está em projetos mirabolantes, mas está na organização do povo: Mandou que as multidões se sentassem na relva (Mt 14,19). Convém notar que, ao copiar boa parte de Marcos, a comunidade de Mateus deixou fora a referência de Jesus à organização em grupos de cem e de cinquenta (Mc 6,39-40).

No entanto, uma vez organizado o povo, Jesus pronuncia a bênção, tal como todos os pais israelitas faziam antes das refeições nas famílias (Mt 14,19). Assim também procedeu na Santa Ceia (Mt 26,26), declarando toda partilha um ato divino, um ato que torna visível a presença de Deus aos olhos dos pequeninos que entendem estas coisas (cf. Mt 11,25). Depois, partiu os pães e os deu aos discípulos, e os discípulos os distribuíram às multidões (Mt 14,19).

Convém lembrar que partir o pão e distribuí-lo não é multiplicação mágica. O milagre está na partilha. É um projeto que envolveu o povo na organização e os discípulos na distribuição. Partilhar é um dos gestos mais divinos que há, mas também um dos mais difíceis, a tal ponto de o mundo ainda não ter aprendido, por exemplo, a fazer a partilha justa da terra, da comida e dos demais bens necessários a uma vida digna. Ou até mesmo a partilha da ternura e do abraço.

Quando há partilha, muita gente pode comer e ficar saciada (Mt 14,20). E mais. Dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. Doze é o número do antigo Israel (12 tribos) e do novo Israel, representado pelos 12 apóstolos. As sobras significam que, no projeto do Reino, nenhuma família israelita ou cristã pode passar fome. Já na segunda partilha dos pães (Mt 15,32-39), a sobra é de sete cestos. E isso não é pouca coisa. Revela a vontade de Deus de que haja pão não somente na mesa de Israel (12 pais das tribos e 12 apóstolos), mas de todas as famílias do mundo. Recolher as sobras é também uma lição para evitar o desperdício de alimentos, tão comum em nosso meio, enquanto em torno de um bilhão de pessoas passa fome no mundo.

É inegável a centralidade do pão partilhado no programa de Jesus. Não é por acaso que sua vida inicia dentro de uma padaria (Belém significa casa do pão). E a partilha dos pães é o único sinal realizado por Jesus que é narrado por todos os evangelistas. Por que será que o pedido por pão é o pedido central do Pai Nosso (Mt 6,9-13)? E é pão nosso para cada dia. É pão repartido e não acumulado. Além disso, Jesus encerra sua vida pública distribuindo o pão na Santa Ceia. Na eucaristia, celebramos a justiça do Reino de Deus já presente e que é, acima de tudo, partilha. E, ao mesmo tempo, denunciamos o sistema que acumula e gera fome.

Ildo Bohn Gass - Site CEBI

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