quinta-feira, 7 de abril de 2011

TERRÁQUEOS INVETERADOS

Estamos descobrindo que dependemos do planeta terra, muito mais do que imaginávamos. Somos umbilicalmente ligados a ele. Visceralmente envolvidos pelo ritmo de seus movimentos. Condicionados às oportunidades que ele nos proporciona. Na verdade, somos terráqueos. Somos fruto do planeta. Não vivemos nele como em casa alugada, da qual podemos nos livrar à hora que quisermos.

Somos fruto deste laboratório de ingredientes vitais, que o planeta terra vai proporcionando, e dos quais somos o resultado, junto com os outros seres do planeta, com os quais compartilhamos a fortuna de fazermos parte deste minúsculo astro, que se insere de maneira tão esplêndida no concerto das galáxias.

A imaginação humana, que a Bíblia testemunha, já tinha elaborado a eloqüente figura do boneco de barro, no qual foi infundido o sopro da vida. Sim, já existia esta versão simbólica, que parecia dar conta o suficiente de nossa relação com a terra. Somos feitos de barro, mesmo que possuindo um espírito que vem de fora, de outra fonte, de outra natureza.

Assim, em vista de nossa condição espiritual, pretenderíamos nos distanciar da terra, e fazer de conta que ela nos proporciona só um componente inferior de nossa natureza, do qual podemos nos livrar, como filhos espúrios que rejeitam sua mãe.

Acontece que nossa dependência da terra é muito mais profunda e constante. Muito além do barro que herdamos da natureza.

Senão, vejamos.

É a terra que nos proporciona a alternância dos dias e das noites. Pois os dias resultam da rotação sobre si mesma, que a terra nunca se cansa de praticar.

Assim, é a terra que nos brinda o encanto da madrugada e a beleza do por do sol.

Elegante e persistente, ela não sai do ritmo nem um segundo. Ela continua firme e constante, ao longo dos bilhões de anos que já carrega nas costas, assumindo os impulsos misteriosos que vem da sinfonia do universo infinito de que ela faz parte.

Com seu constante movimento, determina o ritmo diário de nossa vida. Ela nos leva para a cama de noite e nos acorda de manhã.

Nossos dias são presentes que a terra nos oferece incansavelmente.

Mas a terra não determina só os nossos dias. Ela formata nossos anos. Pois cada ano é fruto do tempo que a terra leva para fazer o giro ao redor do sol.

Os anos que vivemos, portanto, são constituídos pelo movimento de translação da terra em torno do sol.

Faz parte de sua lei não se afastar do sol, e nem se expor demais a ele. Por isto, como elegante dançarina, enquanto corteja o sol girando ao seu redor, ela toma o cuidado de alternar a exposição do seu corpo robusto e formoso, para que nem se esfrie demais, nem se aqueça fora dos parâmetros convenientes.

Assim a terra nos proporciona o verão, mas nos tempera com o inverno. Ela nos encanta com a primavera, mas nos comove com o outono, advertindo que não duram sempre as energias vitais que nos animam.

É muito mais profunda, portanto, nossa dependência da terra. Carregamos sua natureza. Não só por um punhado de pó, que possibilitou o sopro divino encontrar materialidade e concretude.

Podemos ampliar o simbolismo da bíblia. O boneco verdadeiro, moldado pelos dedos de artista do Criador, é o próprio planeta. Ele continua acolhendo o sopro de vida, suscitando suas maravilhosas formas que fazem o encanto deste astro privilegiado.

Mais que terrenos, somos terráqueos, moldados pelo planeta, com seu ritmo envolvente. Somos filhos da terra. Não reneguemos nossa mãe comum. Nem a maltratemos por nossa ignorância ou maldade.

A terra merece nossa reverência, e nossa solicitude por seu estado de vida!

Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira

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