segunda-feira, 28 de março de 2011

ABRIL, O MÊS CRUEL DA IGREJA PARA AS RELAÇÕES COM OS TRADICIONALISTAS

Para quem esperava que as antigas rupturas entre Roma e a ala tradicionalista da Igreja Católica estivessem à beira de uma solução rápida, abril pode ser, de fato, o mês mais cruel.

No início de abril, dois desdobramentos estão previstos para acontecer, cada um com implicações para as relações entre o Vaticano e os chamados "tradicionalistas", ou seja, os católicos ligados à antiga Missa em Latim e que abrigam profundas reservas com relação ao Concílio Vaticano II (1962-1965).

Primeiro, a Comissão "Ecclesia Dei" do Vaticano, responsável pelas relações com os tradicionalistas, irá apresentar uma instrução sobre a implementação do documento Summorum Pontificum do Papa Bento XVI, de 2007, que determinou que a antiga Missa é uma "forma extraordinária" do rito latino.

Em segundo lugar, o que pode ser a última rodada de negociações irá ocorrer entre o Vaticano e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, o corpo tradicionalista fundado pelo falecido arcebispo francês Marcel Lefebvre, que rompeu com Roma em 1988.

Como frequentemente acontece, ambas as medidas provavelmente serão vistas no Vaticano como gestos importantes de longo alcance, mas, entre alguns tradicionalistas, provavelmente serão tomadas como mais uma confirmação de que não se pode confiar em Roma.

Em alguns círculos tradicionalistas, a instrução iminente gerou alerta, com alguns comentaristas que sugeriram que ele poderia efetivamente minar as prerrogativas para a celebração da antiga Missa, que Bento XVI prometeu em seu motu proprio de 2007. Isso seria uma resposta, de acordo com as especulações, à pressão dos bispos de todo o mundo que nunca concordaram muito com a Missa em Latim e que não fizeram exatamente todo o possível para torná-la o mais amplamente disponível.

Falando informalmente, os funcionários do Vaticano insistem que esse não é o caso.

Ao contrário, dizem, a instrução irá confirmar que o motu proprio é agora a lei universal da Igreja e irá pedir que os bispos a apliquem. Entre outras coisas, ela vai convocar os seminaristas a serem treinado não apenas em latim, mas no próprio rito antigo. Dessa forma, pelo menos, eles vão saber como executá-la fielmente e compreenderão o que está sendo dito.

A instrução também vai confirmar que a antiga missa deve estar disponível sempre que "grupos de fiéis" a pedirem, sem especificar quantas pessoas são necessárias para constituir um "grupo".

A instrução também irá confirmar que a antiga liturgia deve ser celebrada durante a Semana Santa sempre que houver um "grupo estável" de fiéis ligados a ela, assim como em ordens religiosas que utilizam o rito extraordinário.

Por outro lado, a instrução, provavelmente, não irá satisfazer todas as esperanças tradicionalistas. Por exemplo, ela provavelmente não dará um a seminarista diocesano de um seminário diocesano regular o direito de ser ordenado de acordo com o ritual pré-Vaticano II, em parte porque esse ritual pressupõe a ordenação a "ordens menores" e ao subdiaconato, que foram suprimidas pelo Papa Paulo VI.

Enquanto as negociações com a Fraternidade de São Pio X continuam, os sinais sugerem que elas podem acabar com uma lamúria ao invés de um estrondo.

Um grupo ad hoc selecionado pelo Vaticano em 2009 para conduzir as discussões é composto por cinco personalidades de destaque na cena romana:

• o monsenhor italiano Guido Pozzo, secretário da Comissão “Ecclesia Dei”;
• o jesuíta italiano Dom Luis Ladaria, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé;
• o monsenhor jesuíta alemão Karl Becker, antigo consultor da congregação doutrinal;
• o monsenhor espanhol Fernando Ocáriz, do Opus Dei, outro consultor da congregação doutrinal;
• e o padre dominicano suíço Charles Morerod, reitor da Universidade Angelicum e também consultor da congregação.

Por seu lado, a Fraternidade de São Pio X reúne uma delegação chefiada pelo espanhol Dom Alfonso de Galarreta, um dos quatro bispos ordenados por Lefebvre em 1988. Fontes dizem que as figuras indicadas pela fraternidade geralmente representam a corrente mais "linha-dura" do órgão tradicionalista, enquanto os participantes do Vaticano são conservadores teológicos inclinados a satisfazer os lefebvrianos até certo ponto.

As conversações centraram-se em quatro temas, que representam as principais preocupações dos tradicionalistas:

• liturgia;
• eclesiologia, incluindo o ecumenismo e o diálogo inter-religioso;
• a liberdade religiosa;
• o magistério do Concílio Vaticano II (1962-1965).

Em cada caso, o processo incluía que um participante tradicionalista preparasse um artigo sobre o assunto e, em seguida, um participante do Vaticano escrevia uma resposta. (Se o tempo permitisse, um dos tradicionalistas podiam responder uma réplica à resposta). Os dois lados, então, se reuniam para várias horas de negociações, sendo que o encontro mais recente ocorreu em fevereiro deste ano.

As reuniões são realizadas nos escritórios da Congregação para a Doutrina da Fé, em Roma. Geralmente, os lefebvrianos falam em francês, e os delegados do Vaticano em italiano, com tradução simultânea.

Em uma recente entrevista, publicada no site norte-americano da Fraternidade de São Pio X, o superior da fraternidade, bispo Bernard Fellay, anunciou que as conversações estão chegando ao fim sem resolução, porque, na visão de Fellay, Roma se recusa a reconhecer as "contradições" entre a fé católica eterna e as inovações introduzidas pelo Vaticano II.

Fellay também disse que haviam surgido dois novos obstáculos: o plano de Bento XVI de sediar um encontro inter-religioso em Assis, em outubro deste ano, a a beatificação do Papa João Paulo II no dia 1º de maio.

Essa entrevista pareceu selar o destino das negociações. Um delegado do Vaticano falou silenciosamente com o cardeal norte-americano William Levada, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre se o tempo de desligar a tomada pode estar se aproximando.

(Por um instante, em fevereiro, os tradicionalistas aparentemente pensaram que esse momento já havia chegado. Uma reunião entre os dois lados foi agendada para os escritórios da congregação doutrinal, na mesma sala onde um encontro independente ocorreu no dia anterior. Um cartão com o nome de Levada ainda estava na cabeceira da mesa. O prefeito normalmente não participa das conversações com os tradicionalistas, então, quando eles viram o seu nome sobre a mesa, eles se perguntaram se ele viria para fechar as cortinas. Na verdade, o encontro seguiu em frente como de costume).

Depois do encontro do início de abril, espera-se que os participantes escrevam artigos resumindo os resultados das discussões e submetam-nos aos seus superiores. No clima atual, a maioria dos observadores dizem que este pode muito bem ser o fim da linha, pelo menos por enquanto.

Dependendo de como as coisas ocorrerem, tanto a reação à instrução quanto as conversações podem apontar, portanto, para uma conclusão comum: fechar a lacuna com o mundo tradicionalista continua sendo um projeto de longo prazo.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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