quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PASTORAL DA CRIANÇA AGORA VAI COMBATER OBESIDADE

Principal responsável pela redução das taxas de desnutrição infantil, a Pastoral da Criança volta sua atenção a um problema crescente: hoje são 15 milhões de crianças obesas no país.

A Pastoral da Criança iniciou esta semana uma nova cruzada, desta vez para buscar o melhor equilíbrio do brasileiro diante da balança. Criada em 1983 pela médica sanitarista Zilda Arns e principal responsável pela redução das taxas de fome e desnutrição infantil no país, a entidade agora volta suas ações também para o controle dos altos índices de obesidade infantil. As estatísticas dão uma mostra do que a Pastoral já fez e do desafio que tem pela frente. Há 10 anos, 9% das crianças brasileiras estavam abaixo do peso ideal, hoje são 5%; no extremo oposto, dobrou em 30 anos o número de meninas acima do peso e mais do que quadruplicou o de meninos com sobrepeso.

Em números absolutos, o Brasil tem 9 milhões de crianças subnutridas e 15 milhões obesas. Nos dois casos, não necessariamente por comer muito ou pouco, mas por comer mal. A desnutrição é um problema social e ocorre pela falta de alimentos em casa, pela falta de alimentos específicos para a idade ou pela desinformação da família, que não conhece a importância de uma alimentação balanceada desde cedo. Já a obesidade decorre da interação entre fatores genéticos, culturais e familiares. Pode-se ganhar peso com hábitos alimentares errados, inclinação genética, vida sedentária, distúrbios psicológicos e problemas familiares.

Entretanto, é possível reduzir essas influências mudando a cultura alimentar. É nesse ponto que a Pastoral da Criança pretende atuar. Os voluntários da entidade vão tentar conscientizar as famílias sobre a importância do aleitamento materno e do estilo de vida saudável. Também usarão a tecnologia para acompanhar a evolução das crianças (leia mais nesta página). Nem sempre a pessoa é obesa porque come muito, mas porque come mal. Alimento de alto valor calórico, mesmo em pouca quantidade, leva ao aumento de peso. E não há distinção de classe social, pois os alimentos mais baratos são os industrializados, com alto índice de açúcar e gordura.

Em casa

O problema maior está em casa. A criação dos filhos influencia mais do que a herança genética. O risco de obesidade surge ainda na primeira infância, com o desmame precoce. O leite de vaca tem excesso de sódio e gordura, e pode piorar quando se usa farinha para engrossá-lo. O hábito de acrescentar açúcar à mamadeira acostuma a criança com esse sabor e contribuiu para o elevado consumo de doces. Do ponto de vista comportamental, como esperar que os filhos comam melhor e deixem de ser sedentários se o restante da família não muda os hábitos? Os pais exercem uma forte influência sobre a ingestão de alimentos pelas crianças.

Somados os fatores genéticos e de criação, pesquisadores concluem que ter o pai ou a mãe acima do peso significa um risco bem elevado de o filho ficar gordo. Em quase todos os casos, a criança fica obesa pela alimentação e sedentarismo. A inatividade é uma característica da sociedade moderna. Na frente da televisão, as crianças são a todo instante bombardeadas por apelos publicitários para consumir doces e outros alimentos de alto valor energético, mas com poucos micronutrientes como vitaminas e minerais.

Pais que trabalham costumam cometer o erro de compensar a ausência dando aos filhos liberdade de escolha do que vão comer. Em geral, essa escolha pende para fast food, alimentos fáceis de preparar, bolo, chocolate, sorvete, refrigerante, salgadinhos, batata frita e embutidos gordurosos. A consequência disso é a obesidade, que traz uma reação em cadeia no organismo, como problemas ortopédicos, respiratórios, cardíacos e gastrointestinais. O aumento de peso na infância traz consequências como o surgimento de pressão alta, problemas de colesterol, maior incidência de diabete tipo 2 e propensão precoce a doenças cardíacas.

Projeto piloto começa em Maringá e Cascavel

O projeto piloto da Pastoral da Criança de combate à obesidade infantil será desenvolvido em Maringá e Cascavel. Segundo o coordenador internacional da Pastoral, o médico Nelson Arns Neumann, a situação nutricional da população de um modo geral preocupa. “Tivemos uma inversão da questão nutricional. Na década de 70, a obesidade estava concentrada nas classes mais altas. Hoje, claramente a maior parte dos obesos é de pobres”, explica.

Neumann lembra que enquanto os casos de desnutrição caíram, os de sobrepeso aumentaram excessivamente no país. “Nos anos 70, cerca de 10% de adultos sofriam com a desnutrição. Hoje são apenas 3%. Por outro lado, o número de pessoas com excesso de peso [que estava na casa dos 25%] hoje está acima do 50% da população. É um incremento bastante grande”, constata.

Para diminuir o problema da obesidade infantil, a Pastoral está apostando na melhoria do acompanhamento das crianças, por meio de uma nova estratégia de vigilância. Voluntários com notebooks vão acompanhar a visita das crianças. Peso e altura dos pequenos serão inseridos em um software, que vai apresentar na hora um diagnóstico sobre o estado nutricional e a evolução em relação à última pesagem. Eles também vão tentar conscientizar as famílias sobre a importância do aleitamento materno e do estilo de vida saudável.

“Estudos realizados na Inglaterra durante 14 anos revelaram que crianças que tomaram leite de lata tinham mais hipertensão, diabete e obesidade do que o grupo que tomou somente leite materno. Ou seja, temos que incentivar o aleitamento materno até os 2 anos de idade, sendo que nos primeiros 6 meses, a criança só deve ser alimentada com leite”, ressalta Neumann.

Outro tema que vai ser debatido é a criação de espaços de lazer mais seguros para as crianças. “As mães estão conscientes de que os filhos estão passando um tempo imenso em frente ao televisor, mas elas reclamam que não têm espaço seguro para eles brincarem. Nós estamos defendendo o retorno de certas práticas, como a de toda a vizinhança vigiar a brincadeira das crianças. Também queremos que o poder público incentive o fechamento parcial das ruas em momentos de baixo tráfego para que as crianças tenham a possibilidade de ocupar esse espaço.”

O projeto piloto em Maringá e Cascavel vai durar um ano. As cidades foram selecionadas pelo grande número de voluntários e de crianças atendidas. “São cidades referência no atendimento e que estão próximas da coordenação nacional da pastoral, que fica em Curitiba”, explica Neumann. Cerca de 400 voluntários vão acompanhar entre 7 e 9 mil crianças em cada cidade. O trabalho deve começar neste fim de semana, logo após a capacitação de voluntários, que deve terminar hoje. Se os resultados forem positivos, o trabalho pode ser levado para o restante do país.

A reportagem é de Mauri König e Marcus Ayres e publicada pela Gazeta Maringá, 18-11-2010.

IMPRIMA ESTE TEXTO

Nenhum comentário: