De 3 a 5 de novembro, no Liceu Santista, 250 agentes de pastorais da Diocese de Santos participaram da Jornada de Estudos Teológicos dos Leigos, promovida pelo Conselho Diocesano de Leigos (Codilei). O tema do encontro foi “Mundo urbano e desafios para a ação evangelizadora”, apresentado pelo padre Alfredo J. Gonçalves, CS, provincial dos Padres Carlistas e assessor da CNBB para as Pastorais Sociais.
Digite aqui o resto do post “A primeira questão a ser entendida é que quando falamos em ‘urbano’ não estamos falando de ‘cidade’, de território. “Urbano’ é um conceito cultural, globalmente disseminado, é um estilo de vida, um jeito de viver, com seus códigos, símbolos, linguagens, e não um conceito apenas geográfico. É preciso ter isso claro, como ponto de partida, para entender os novos desafios e as implicações para nossa ação pastoral”, disse o assessor, no início dos trabalhos.
O tema foi apresentado em três tópicos: conceito e características do mundo urbano; a Igreja Católica no mundo urbano; e pistas para a pastoral no mundo urbano.
Que bicho é esse?
O conceito e as principais características do mundo urbano foram apresentadas em contraposição ao ‘mundo rural’, para que pudessem ser evidenciadas as diferenças culturais de um e de outro universo: “Isso não quer dizer que um é melhor do que o outro; que um só tem coisa boa e o outro só tem coisa ruim. Isso quer dizer que são diferentes e que as diferenças precisam ser entendidas para que a ação pastoral seja eficaz. Caso contrário, seremos igrejas de portas abertas e vazias”, alertou.
E dentre as principais características do mundo urbano que mais tem impactado a ação pastoral, destacam-se: o dinamismo, com a necessidade de novidades (tudo muda muito rápido, informação instatânea); mosaico de disparidades sociais, culturais (provocando justaposição de pessoas, grupos ou situações, porém desconexas); multidão anônima e solitária (estamos juntos, mas não nos conhecemos; perda do sentido de identidade e, ao mesmo tempo, busca de um sentido, de onde a importância do grupo, da pequena comunidade, da casa, da ‘tribo’); espetacularização da vida, principalmente nos meios de comunicação (inclusive a religião, mascarando a vida ‘real’); e o pluralismo (culturas, povos, religiões, linguagens, necessidades, maneiras de viver, possibilidades de expressões etc”.
“Porém, aqui há uma característica perigosa. Este pluralismo que, a princípio, pode ser uma coisa boa tem como premissa a defesa do ‘multi’, isto é, ‘muitos’, porém, ‘cada um’ fechado em si, e não em ‘inter’, que supõe diálogo com o diferente. Com isso, cada um reivindica o direito de sua liberdade irrestrita sem se preocupar com o bem coletivo, criando um clima de tolerância que pode ser facilmente rompido a qualquer momento”, explica.
Igreja no mundo urbano
Em relação à ação pastoral da Igreja no ambiente urbano, padre Alfredo lembra que ainda somos herdeiros de uma metodologia pastoral que remonta à Idade Média, com uma visão de mundo baseada na geografia do feudo: “Pequeno, autossuficiente, onde o rei era o dono (incluindo a Igreja), o camponês trabalhava e o exército defendia ou atacava. Nesse mundo, a fé era herança familiar (e a Igreja Católica, hegemônica), o vínculo com a instituição estava garantido, Deus era o Deus da Providência, e o ritmo da vida da Igreja se estruturou no ritmo da natureza, seguindo o ciclo natural da vida, a exemplo do nosso calendário litúrgico”.
“Entretanto”, continua padre Alfredo, “desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, as sociedades passaram a viver um novo conceito de tempo, baseado não mais no ritmo da natureza, mas no ritmo das máquinas, dos trens, dos relógios, da produção, desencandeando novos processos que impactaram e modificaram profundamente todos os aspectos da vida, inclusive a religiosa, além da criação das condições propícias para o desenvolvimento do processo de urbanização”.
Dentre as mudanças que mais impactam a vida da Igreja no ambiente urbano estão: religião como escolha pessoal e não mais como herança familiar (com isso, perde-se também o vínculo com a Instituição, favorecendo o ‘trânsito religioso’; novas modalidades de organização familiar, muitas das quais fora do conceito de família defendido pela Igreja; a multiplicação de ofertas de serviços religiosos (o ‘consumidor’ escolhe o ‘serviço religioso’ que melhor se adequa às suas necessidades); religião de bricolage (pega-se um ‘pedaço’ de diferentes orientações religiosas e cria-se uma religião pessoal, particular, dispensando as mediações históricas); e a busca desesperada do “Deus-Providência”, identificado com o discurso da ‘teologia da prosperidade’.
“O que precisamos entender é que essa passagem do mundo ‘rural’ para o mundo ‘urbano’ - enquanto aspectos da cultura, isto é, da visão de mundo, do estilo de vida, do jeito de viver -, é uma passagem traumática: a pessoa perde referências que lhe traziam conforto, segurança, norteavam seu sentido de existência. No mundo urbano, a pessoa nasce ‘desnuda’: sua identidade está por ser construída, seu caminho (‘destino’) está para ser trilhado, sua existência será uma batalha a ser travada a duras penas, e que, em alguns casos, pode resultar em um processo de desumanização, de embrutecimento da pessoa. Ora, se, por um lado, essa experiência é traumática, às vezes, desesperadora, por outro, pode levar à maturidade, à autonomia e, no caso religioso, à experiência da fé adulta, sem a tutela da ‘herança familiar’ ou da ‘convenção social’.
O que eu quero dizer com isso? Que a experiência no mundo urbano - como toda experiência humana - é marcada pela ambiguidade, precisando, portanto, ser sempre discernida. A Igreja, por sua vez, precisa recuperar a sensibilidade para ouvir e reconhecer os diversos tipos de ‘gritos’ que vêm da ‘multidão solitária’ - e ir ao seu encontro - e não apenas ficar se lamentando porque os ‘fiéis’ ou não vêm mais à igreja ou estão abandonando os templos. E, claro, isso também requer novas estruturas”, alerta.
Pistas para a pastoral no mundo urbano
Então, diante de um quadro tão complexo, o que a Igreja deve fazer? “Bem, como os Evangelhos não foram escritos para o mundo urbano, a primeira coisa a fazer é entender o que Jesus queria (a que veio), o que falava, o que fazia, como fazia e por que fazia. A partir daí, como discípulos de Jesus, a exemplo de Paulo, fazer a ‘tradução’ para o mundo urbano ou para qualquer realidade que se apresente”, explica padre Alfredo.
O ‘programa de Jesus’ (a que veio) pode ser encontrado logo nas primeiras aparições de Jesus em público: “Ele vem dizer que o Reino de Deus havia chegado e convidar as pessoas a se converterem ao Reino. No coração do projeto de Jesus está o Reino de Deus (Jesus é o Caminho) e no coração do Reino de Deus estão os pobres”.
Por sua vez, a prática de Jesus explicita essa mensagem sem deixar margem para interpretações ambíguas ou esquizofrênicas: “Jesus é sempre encontrado em três ambientes: na montanha (ou no deserto), entre amigos (em casa, à mesa), e ‘no caminho’ (percorrendo as cidades, as aldeias). Ou seja, quanto mais profundo o contato de Jesus com o Pai, quanto mais profunda a intimidade na oração, na montanha, mais profunda a amizade com seu discípulos, mais compromisso com os pobres do caminho. E quanto mais ouve e conhece os pobres do caminho, mais precisa da comunidade, mais precisa do contato com o Pai para se fortalecer. Não há dicotomia na vida de Jesus. Essas realidades não são dissociadas, estão perfeitamente integradas”.
Segundo padre Alfredo, um ‘modelo’ de evangelização pode ser encontrado na narração sobre os Discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35): “Esta é a pedagogia de Jesus, isto é, o jeito de Jesus agir, e deveria ser também o jeito de agir de todo discípulo: Jesus se aproxima dos discípulos como ‘forasteiro’ (desconhecido), procura saber da vida deles, de suas realidades, promove o diálogo (não impõe sua verdade), deixa-se convidar para estar com eles (dedicar tempo ao outro), come com eles (partilha o pão-alimento e o pão-presença comprometida, onde é reconhecido), e, por fim, porque O reconheceram, partiram em missão. Aqui está o segredo: antes do anúncio da ‘verdade’, Jesus se interessa pela vida do outro, pois a vida já está grávida da Palavra de Deus. E, no mundo urbano, onde ninguém tem tempo, onde todos são anônimos, estranhos, as pessoas precisam de alguém que as escute, que as acolha, que as compreenda, que as ajude a recuperar a dignidade e o sentido da existência. E talvez este seja o melhor serviço que possamos prestar enquanto Igreja: espalhada pela mancha urbana, sermos rede de pequenas comunidades, casas de acolhida, lugares de referência para qualquer um que se encontre perdido, desamparado, oprimido pela liberdade e pela solidão do mundo urbano”, conclui.
Guadalupe Mota – Assessoria de Comunicação Diocese de Santos
Pistas para a pastoral no mundo urbano
Então, diante de um quadro tão complexo, o que a Igreja deve fazer? “Bem, como os Evangelhos não foram escritos para o mundo urbano, a primeira coisa a fazer é entender o que Jesus queria (a que veio), o que falava, o que fazia, como fazia e por que fazia. A partir daí, como discípulos de Jesus, a exemplo de Paulo, fazer a ‘tradução’ para o mundo urbano ou para qualquer realidade que se apresente”, explica padre Alfredo.
O ‘programa de Jesus’ (a que veio) pode ser encontrado logo nas primeiras aparições de Jesus em público: “Ele vem dizer que o Reino de Deus havia chegado e convidar as pessoas a se converterem ao Reino. No coração do projeto de Jesus está o Reino de Deus (Jesus é o Caminho) e no coração do Reino de Deus estão os pobres”.
Por sua vez, a prática de Jesus explicita essa mensagem sem deixar margem para interpretações ambíguas ou esquizofrênicas: “Jesus é sempre encontrado em três ambientes: na montanha (ou no deserto), entre amigos (em casa, à mesa), e ‘no caminho’ (percorrendo as cidades, as aldeias). Ou seja, quanto mais profundo o contato de Jesus com o Pai, quanto mais profunda a intimidade na oração, na montanha, mais profunda a amizade com seu discípulos, mais compromisso com os pobres do caminho. E quanto mais ouve e conhece os pobres do caminho, mais precisa da comunidade, mais precisa do contato com o Pai para se fortalecer. Não há dicotomia na vida de Jesus. Essas realidades não são dissociadas, estão perfeitamente integradas”.
Segundo padre Alfredo, um ‘modelo’ de evangelização pode ser encontrado na narração sobre os Discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35): “Esta é a pedagogia de Jesus, isto é, o jeito de Jesus agir, e deveria ser também o jeito de agir de todo discípulo: Jesus se aproxima dos discípulos como ‘forasteiro’ (desconhecido), procura saber da vida deles, de suas realidades, promove o diálogo (não impõe sua verdade), deixa-se convidar para estar com eles (dedicar tempo ao outro), come com eles (partilha o pão-alimento e o pão-presença comprometida, onde é reconhecido), e, por fim, porque O reconheceram, partiram em missão. Aqui está o segredo: antes do anúncio da ‘verdade’, Jesus se interessa pela vida do outro, pois a vida já está grávida da Palavra de Deus. E, no mundo urbano, onde ninguém tem tempo, onde todos são anônimos, estranhos, as pessoas precisam de alguém que as escute, que as acolha, que as compreenda, que as ajude a recuperar a dignidade e o sentido da existência. E talvez este seja o melhor serviço que possamos prestar enquanto Igreja: espalhada pela mancha urbana, sermos rede de pequenas comunidades, casas de acolhida, lugares de referência para qualquer um que se encontre perdido, desamparado, oprimido pela liberdade e pela solidão do mundo urbano”, conclui.
Guadalupe Mota – Assessoria de Comunicação Diocese de Santos
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