Já tomou repercussão nacional o programa “Tolerância Zero” implementado em Assis nos últimos meses, num esforço conjunto das polícias Civil e Militar, a Prefeitura Municipal de Assis e outras entidades visando a redução dos índices de criminalidade na cidade. A discussão no município também é grande, pois vários artigos e reportagens já foram publicados a respeito do assunto nos jornais locais. Como ninguém está verdadeiramente a salvo da violência, e os potenciais danos materiais e contra a vida são reais, a discussão tende a ser cada vez maior.
Dentro da discussão as opiniões tendem a se polarizar entre a favor e contra o programa de tolerância zero. Dentre os que se posicionam a favor se encontra a maior parte dos atores sociais: advogados, comerciantes, empresários, entre outros, que defendem que o programa é a única saída para o verdadeiro caos de violência que se instalou na cidade. Já quem se posiciona de maneira contrária afirma que o programa tolerância zero é, na verdade, sinônimo de intolerância, pois pretende, entre outras ações, prender pessoas pela acusação (vaga) de vadiagem num movimento de opressão dos ricos se direcionando contra os mais pobres. Durante a discussão centenas de jovens pobres caem na complicada trama da criminalidade, que soma, na mesma equação, pobreza, vulnerabilidade social e falta de apoio familiar, condenando mais uma geração.
A idéia de Tolerância Zero foi implantada na cidade de Nova Iorque, de onde ganhou destaque mundial devido à significativa redução dos índices de criminalidade que estavam em crescimento na cidade por décadas. A ação principal é a intolerância a qualquer ato de violação da lei, partindo do princípio de que a partir dos pequenos delitos é que se formam os grandes criminosos. Implantada no Brasil a idéia sempre esbarra no dito popular de que “a polícia deveria ir atrás dos peixes grandes, e não ficar prendendo ladrão de galinha”.
Assim, a política de segurança nos EUA funciona porque a criminalidade lá já não estava tão organizada como no passado daquele país, ou no presente no nosso próprio. Ao mesmo tempo o período de funcionamento do “Tolerância Zero” coincidiu com a chamada “era Clinton”, período de grande crescimento econômico, que foi acompanhado de significativa redução no desemprego e precedido de um período econômico ruim nas mãos de Bush pai, antecessor do democrata. Naquele país certamente a contravenção da vadiagem seria mais difícil de combater, devido aos níveis de desemprego mais baixos e de escolaridade bem mais altos quando comparados com o nosso país ou mesmo da nossa região.
Essa política de segurança nos EUA não veio sem prejuízos. A primeira é a enorme redução dos investimentos sociais. No Brasil vivemos uma onda contrária, pois o governo federal tem como uma de suas bandeiras justamente o incentivo aos investimentos na chamada “área social”. O segundo prejuízo americano é a imensa população carcerária que surgiu no país: mais de 2 milhões de pessoas em 2005. Somando os presos temporários e aqueles em liberdade condicional o país atinge 1 preso a cada 32 adultos. Num quadro comparativo o Brasil 227 presos a cada 100.000 habitantes. Não há recursos no Brasil para um grande aumento dessa população, que já vive em condições precárias e sofre violência tanto de parte dos agentes do Estado como de organizações criminosas.
No Brasil o viés repressor da criminalidade encontrou espaço na cidade do Rio de Janeiro, cuja política violenta encontrou repercussão mundial com o filme “Tropa de Elite”. O uso de grande repressão contra os bandidos não fez os índices de criminalidade diminuírem. Ao contrário: vem de lá os piores exemplos na área da segurança, como corrupção e violações dos direitos humanos. Por outro lado um viés menos repressor, de humanização e defesa dos direitos humanos, foi implantado no estado de São Paulo, o único com redução constante da criminalidade. Segundo relatório da UERJ, não existe cidades paulistas dentre as 50 com maior índice de mortalidade entre jovens. A cidade de São Paulo, tida como exemplo de violência no passado, tem o 4º melhor desempenho dentre as capitais.
Além desses problemas o programa de Tolerância Zero em Assis esbarra em outra questão mais importante: o movimento nacional que está sendo conduzido pelo governo federal, que está negando o viés repressivo e policialesco e pretende investir bilhões de reais em programas que sigam este modelo, ou seja, o inverso do proposto por Assis.
Diante da indignação causada pela violência cometida por alguns bandidos é difícil ser contra um programa que pretende reprimir fortemente a bandidagem. Enquanto política pública, porém, deve-se refletir melhor sobre a maneira de atuação, pois refletirá no futuro que almejamos para a cidade e para o país.
André Elias Morelli Ribeiro, psicólogo, mestrando em Psicologia pela UNESP, morador da cidade há 7 anos, estuda o tema da violência há 3.
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