segunda-feira, 8 de junho de 2009

CAMPANHA DA FICHA LIMPA – PERSPECTIVAS E MAL-ENTENDIDOS

Se há um tema que parece ter uma unanimidade nacional é o da necessidade de uma reforma política. Que faça com que nossos representantes políticos sejam pessoas comprometidas efetivamente com os anseios de seus representados. Mas pouco se consegue fazer, esvaziando-se sempre mil e uma tentativas de aperfeiçoar as regras do nosso sistema democrático.
O lugar em que essas tentativas encontram a resistência definitiva é exatamente o Congresso Nacional, a quem cabe decidir sobre o que mudar. Ora, pesquisas de opinião indicam recorrentemente que uma das instituições com menor credibilidade em nosso país é exatamente o Congresso, junto com os demais parlamentos, desde os municipais. A imagem que o povo tem dos legislativos é que neles está aninhado efetivamente um número demasiado grande de oportunistas defendendo seus próprios interesses. Ou, em outras palavras, de “picaretas”, como ousou dizer nosso Presidente Lula, nos memoráveis tempos em que lutava contra as mazelas de nosso sistema político. Antes de – para a desilusão de tantos que tinham esperança no bom uso do poder que lhe foi entregue - ter que ceder pragmaticamente ao “realismo político” para obter a chamada “governabilidade”.

Fecha-se com isso o circulo: para termos representantes políticos capazes de atender à necessidade da reforma política pela qual os cidadãos anseiam, precisamos do voto exatamente daqueles para os quais uma reforma política não convém. É como se lhes pedíssemos que dessem uma série de tiros nos próprios pés esperando que eles galhardamente o fizessem...
Como sair desse impasse? Uma lógica indutiva primária nos indicaria que para podermos realizar uma reforma política pra valer precisamos melhorar a qualidade dos nossos representantes no Congresso, diminuindo o numero dos oportunistas e aumentando o número dos que querem ser efetivamente “representantes” políticos. É quase uma condição “sine qua non”. Elementar, meu caro Watson, diria Sherlock Holmes, o famoso detetive inglês.

Uma tal melhora é absolutamente necessária, quando não urgente, também porque não se trata somente de tornar possível realizar a reforma política, mas de dispor de representantes capazes de votar com seriedade uma grande quantidade de matérias nas quais estão em jogo as condições de vida dos brasileiros, a justiça, o futuro do nosso país. Sabemos que o poder político está nas mãos do Poder Legislativo, encarregado de autorizar ou determinar tudo que o Poder Executivo queira ou deva fazer, alem de fiscalizá-lo permanentemente, em nome de toda a sociedade. Cabe também ao Legislativo fornecer ao Poder Judiciário as normas legais que este tem que fazer respeitar. Ou seja, a qualidade do Legislativo é a condição central para o bom funcionamento da democracia representativa que adotamos como regime político no Brasil.
Como no entanto melhorar a qualidade de nossos representantes, perguntaríamos ao detetive inglês? Entre duas baforadas de seu cachimbo ele nos diria, certamente: a tarefa, obviamente, é dos eleitores. A eles cabe escolher seus próprios representantes. Ainda elementar.

Mas sabendo como as coisas se passam em nosso pais, tratando-se de eleições, teremos que completar a sabedoria do detetive: precisamos conseguir, de alguma forma, nos esgueirar entre as pernas de nossos legisladores, como bons jogadores de futebol que somos, fazendo passar algumas leizinhas estratégicas que diminuam as chances dos oportunistas serem eleitos. E se fizermos com que essas leis sejam efetivamente respeitadas (outro desafio de que não cogitaria o detetive, apesar de ser especializado em crimes), é possível que pouco a pouco melhoremos a qualidade dos nossos representantes.
Caminho muito longo, dirão muitos. Os grandes desastres já terão sido consumados, agregarão nossos ambientalistas. Mas em todo caminho iniciado com um determinado objetivo, os caminhantes ganham velocidade ao verem que sua realização se aproxima. Inclusive pela própria mobilização dos bons “lá de dentro”, em quem teremos que confiar e que precisarão ser também pressionados a não ceder a nenhum espírito de corpo (ou de “porco”, dirão outros mais cansados de tanta enganação...).

Foi por não vislumbrar outro caminho que um certo número de entidades da sociedade civil brasileira resolveu dar uma dessas dribladas, paralelamente ao esforço que elas faziam para dar mais consciência ao povo de seu poder como eleitor. Para isso usaram um dos instrumentos que a Constituição de 88 criou, para que o poder dos legisladores não seja tão absoluto como o é: a iniciativa popular de lei (juntamente com outros dois instrumentos, o plebiscito e o referendo, estes bem mais controlados por eles).
Da escolha desse caminho nasceu a Lei 9840/99, feita para se evitar que, para se elegerem, oportunistas cruéis utilizem a miséria do povo (precisando portanto que ela perdure), comprando seus votos a troco de banana. A frase “voto não tem preço, tem conseqüências”, se espalhou por todo o país e um milhão de eleitores disseram ao Congresso que era preciso terminar com esse escândalo. E nosso parlamento não teve cara para deixar de aprovar a proposta apresentada.

Hoje, quase dez anos e cinco eleições depois, mais de 650 políticos eleitos tiveram seus mandatos cassados por força dessa lei. E muitas outras cassações estão a caminho. Uma efetiva aplicação que exigiu que a mobilização da sociedade civil continuasse depois de aprovada a lei, acordando cada vez mais juízes e promotores que duvidavam primeiro da sua constitucionalidade e depois da eficácia de seus quatro pequenos artigos. Com isso já estamos ficando livres de muitos oportunistas, e estamos despertando cada vez mais o povo para a importância de uma boa escolha de seus representantes. O que está sendo especialmente bom ao nível municipal, em cujos legislativos e executivos começam as chamadas “carreiras políticas”.

Uma nova tentativa de drible está sendo tentada, pelos mesmos que conseguiram o primeiro gol. Trata-se agora de introduzir em nossas regras eleitorais, ainda por meio de uma iniciativa popular de lei, um principio de precaução: impedir que oportunistas que não tenham escapado de condenações na Justiça sejam eleitos. Que é, inacreditavelmente, coisa que ainda ocorre no Brasil. De fato, porque não impedimos que possam se candidatar os que já receberam sentenças condenatórias judiciais - pelo menos os piores deles, que cometeram crimes graves? Estamos propondo que uma sentença de primeira instância, ou seja, de um simples juiz, já seja suficiente, mas é óbvio que o Congresso, se for levado a discutir esse projeto de lei por um milhão e trezentos mil cidadãos – número hoje necessário para apresentar uma iniciativa desse tipo – exigirá que haja condenação também em segunda instância, ou seja, por um tribunal composto de vários juizes.

Do lado dos que estão sendo ameaçados de não poderem continuar a gozar da impunidade que os parlamentos lhes oferecem, pela regra do foro privilegiado, levanta-se a inconstitucionalidade de uma proposta legislativa que terminaria com um dos princípios basilares da nossa Constituição: a presunção de inocência. Ninguém que esteja são da cabeça contrata um advogado criminoso para representá-lo em juízo. Com muito mais razão só por total inconsciência alguém contratará como seu representante político quem, por suas práticas (e crimes!), desmereça sua confiança. O que se quer no caso desse projeto de lei não é condenar sem trânsito em julgado – chegar até lá pode durar uma eternidade, tantos são os recursos disponíveis – mas sim introduzir no nosso sistema eleitoral um principio de precaução, para que não se conspurque a nobilíssima tarefa de representar politicamente seus concidadãos.

A coleta do milhão e trezentas mil assinaturas está no entanto avançando mais devagar do que poderia – a se julgar pela receptividade dos que são convidados a assinar - porque aqui do nosso lado (não do “deles”) ainda há gente que entendeu mal a proposta. Por causa de uma iniciativa menos feliz de magistrados brasileiros, muitos dos nossos pensam que, se a lei for aprovada, bastará uma “ficha suja” para invalidar candidaturas. Se fosse assim, muita gente boa cairia nessa impossibilidade, porque ter um processo nas costas é tido como sinônimo de “ficha suja”. Mas qualquer político que se preze tem processos nas costas – iniciados pelos seus inimigos políticos ou por aqueles cujos privilégios foram atacados pela ação desses bons políticos.

Outros, nestes tempos de criminalização dos movimentos sociais – cansados de só levarem na cabeça nas suas lutas por direitos - ficam achando que essa proposta de lei é armação dos exploradores de sempre, mancomunados com setores pouco elogiáveis do Judiciário e do Ministério Público, para impedi-los de um dia representarem nos Parlamentos seus companheiros de luta.
Graças a Deus já estão nascendo no próprio Congresso (incrivelmente, para vermos que nem tudo está perdido!) iniciativas parlamentares com o mesmo objetivo de nosso projeto de lei - que contém aliás outros pequenos detalhes interessantes, como o de impedir que quem renuncie ao seu mandato para não ser cassado possa se recandidatar (elementar, meu caro Watson). Assim, chegando ao milhão e trezentas mil assinaturas apensaremos (como se diz no parlamento) nossa estratégica iniciativa a essas outras e o drible poderá ser completado, pelo meio das pernas da floresta de oportunistas. E o caminho estará mais aberto para a reforma política de que urgentemente necessitamos. Mãos à obra, portanto, é a convocação que precisa ser feita, no mutirão nacional da Campanha da Ficha Limpa.

Chico Whitaker

Noticia enviada por Antonio Zanon Presidente do CNLB Arquidiocesano São paulo


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