Mais de 150 padres católicos romanos dos Estados Unidos assinaram uma declaração em apoio a um clérigo que pode ser afastado por participar de uma cerimônia que supostamente ordenaria uma mulher como padre, em desafio aos ensinamentos da Igreja.
A ação dos padres americanos ocorre logo após um “Chamado à Desobediência”, emitido na Áustria no mês passado por mais de 300 padres e diáconos. Eles surpreenderam seus bispos com uma promessa de sete pontos, que inclui a promoção ativa da ordenação de mulheres e homens casados e a recitação de uma oração pública pela “reforma da Igreja” em todas as missas.
E na Austrália, o Conselho Nacional dos Padres divulgou recentemente uma forte defesa do bispo de Toowoomba, que emitiu uma carta pastoral dizendo que, diante da severa escassez de padres, ele ordenaria mulheres e homens casados “caso Roma permita”. Após uma investigação, o Vaticano o forçou a renunciar.
Apesar desses atos díspares não chegarem a representar um levante clerical e dificilmente resultarem em mudança, os estudiosos da Igreja notam que pela primeira vez em anos, grupos de padres em vários países estão publicamente defendendo aqueles que estão desafiando a Igreja a repensar o sacerdócio celibatário exclusivamente masculino.
O Vaticano declarou que a questão da ordenação das mulheres não está aberta a discussão. Mas os padres estão na linha de frente da escassez de sacerdotes – que são obrigados a atender múltiplas paróquias – e, em parte, o que está levando alguns deles a se manifestarem.
“Eles estão dizendo, nós não temos padres suficientes, nós estamos fechando paróquias”, disse David J. O’Brien, que ocupa uma cadeira de estudos de fé e cultura na Universidade de Dayton, uma faculdade católica marista em Ohio. “É um sinal de que as necessidades pastorais são suficientemente graves a ponto dos padres estarem dizendo: ‘Espere um minuto, não é possível ignorar as consequências pastorais das coisas que são feitas e ditas no topo’.”
Especialistas na Igreja disseram ser surpreendente o fato de 157 padres assinarem uma declaração em apoio ao padre americano, Roy Bourgeois, porque ele fez muito mais do que apenas se manifestar: ele fez a homilia e abençoou uma mulher em uma cerimônia ilícita de ordenação, conduzida pelo grupo Sacerdotisas Católicas Romanas. O grupo alega ter ordenado 120 mulheres como padres e cinco bispos em todo mundo. O Vaticano não reconhece as ordenações e declarou as mulheres automaticamente excomungadas.
Bourgeois, um membro da ordem religiosa Maryknoll, recebeu uma carta do Vaticano em 2008 alertando que ele seria excomungado caso não abjurasse. Ele enviou uma longa carta ao Vaticano dizendo que estava apenas seguindo sua consciência. O Vaticano nunca respondeu, ele disse.
Mas a MaryKnoll nunca o rejeitou e ele continuou se apresentando como padre. E ele é um bastante conhecido. Bourgeois, atualmente com 72 anos, foi um missionário americano em El Salvador durante a época dos esquadrões da morte e desde então realiza protestos antiguerra do lado de fora da Escola das Américas do Exército dos Estados Unidos, na Geórgia.
Mas agora, sob pressão do Vaticano, a Maryknoll enviou o primeiro dos dois “alertas canônicos” exigidos de que ele será afastado se não abjurar. Bourgeois respondeu que se abjurasse para salvar seu sacerdócio ou sua pensão, ele estaria mentindo.
“Eu vejo isso claramente como uma questão de sexismo, e como o racismo, é um pecado”, ele disse em uma entrevista nesta semana, de sua casa na Geórgia. “Não se justifica, não importa o quão arduamente nós padres e líderes da Igreja, começando pelo papa, tentemos justificar a exclusão das mulheres como iguais. Esse não é o modo de Deus. Esse é o modo dos homens.”
Em uma declaração de 1994, que visava colocar um fim ao debate, o papa João Paulo II emitiu uma carta apostólica, Ordinatio Sacerdotalis, dizendo que a Igreja “não tem nenhuma autoridade” para ordenar mulheres. Entre os motivos dados pela Igreja está o de que os apóstolos de Jesus Cristo eram todos homens, e que essa tem sido a prática da Igreja desde então.
Christopher Ruddy, professor associado de teologia sistemática da Universidade Católica da América, disse sobre as recentes declarações dos padres: “Eu não acho que resultará em algo”.
“Alguns dizem que o ensinamento da Igreja a respeito da não ordenação de mulheres é um ensinamento infalível, alguns dizem que não é definido assim. Mas está claro que um nível extraordinariamente alto de autoridade doutrinária tem sido invocado a respeito disso”, disse Ruddy, autor de “Tested in Every Way: The Catholic Priesthood in Today’s Church” (Herder & Herder, 2006).
A declaração dos 157 padres americanos diz apenas que eles apoiam o “direito (de Bourgeois) de expressar o que diz sua consciência” – um texto cauteloso visando permitir que mais assinassem. O esforço foi organizado pelo Chamado à Ação, uma organização com sede em Chicago que há muito defende mudanças na Igreja. Ela pretende pressionar a Maryknoll a não afastar Bourgeois.
“A Maryknoll está presa no meio”, disse Michael Virgintino, diretor de comunicações da Maryknoll Fathers and Brothers, com sede em Nova York. “É a Maryknoll que está tentando manter o padre Roy engajado, e deseja muito que possa haver uma conciliação entre Roy e a Igreja.”
A Áustria é lar de muitos padres e leigos católicos que buscam mudanças na Igreja. Mas o arcebispo de Viena, o cardeal Christoph Schönborn, disse a respeito da recente declaração dos padres de lá: “A convocação aberta à desobediência, me chocou”.
Além de pedir a ordenação de mulheres e homens casados, os padres austríacos pedem para que mulheres preguem na missa e para dar a comunhão aos católicos divorciados, que se casaram novamente sem uma anulação.
Schönborn respondeu que se os padres nutrem conflitos tão extremos com a Igreja, eles não devem continuar no serviço. Seu porta-voz disse que o cardeal se reunirá com os líderes do grupo em agosto ou setembro.
Na Austrália, a Igreja foi abalada em maio quando o papa Bento 16 removeu o bispo William Morris da Diocese de Toowoomba, onde servia desde 1992. O papa escreveu ao bispo que o ensinamento que impede a ordenação de mulheres era “infalível”.
O Vaticano enviou o arcebispo de Denver, Charles J. Chaput (nomeado nesta semana como o novo arcebispo da Arquidiocese da Filadélfia), para investigar Morris.
O Conselho Nacional dos Padres da Austrália, que diz representar 40% dos padres de lá, condenou o afastamento, dizendo que aqueles que influenciaram a decisão “têm pouca experiência pastoral”.
O padre Ian McGinnity, presidente do conselho dos padres na Austrália, disse em um e-mail: “O bispo Morris estava se esforçando para lidar honestamente com os problemas significativos em sua diocese rural, particularmente a escassez de padres, o que significa que algumas comunidades estão privadas da Eucaristia de modo regular.”
A reportagem é de Laurie Goodstein, publicada no The New York Times e reproduzida pelo Portal Uol, 23-07-2011.
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