Ao terminar a primeira das Jornadas Teológicas da América Central e do Caribe, as e os participantes queremos apresentar às Igrejas e às nossas sociedades uma mensagem em que desejamos compartilhar algo do conjunto das diversas inquietudes e esperanças que foram as nossas durante estes três dias de encontro, intercomunicação e comunhão.
Interpretamos a numerosa resposta à convocação da comunidade teológica das nossas regiões como sinal da necessidade sentida por muitas e muitos de escutar coisas novas em meio ao panorama do pensamento teológico e da prática pastoral predominantes.
A semana da Páscoa e a comemoração do 13º aniversário do martírio do monsenhor Juan Gerardi, poucas semanas após a Páscoa de José Comblin, um dos mais lúcidos profetas da América Latina, e de Tatic Samuel Ruiz, bispo dos indígenas, marcaram oportunamente o nosso trabalho durante estes três dias. Neles nos deixamos impactar pelas “tristezas e alegrias, angústias e esperanças” de nossos povos e Igrejas marcados pelo martírio, pelo desejo de justiça e de convivência feliz. Urge sonhar alternativas futuras possíveis, que queremos viabilizar em ensaios concretos e aproximativos ao Reino de Deus, anunciado e iniciado por Jesus, Messias crucificado e ressuscitado.
O caminho que escolhemos para o trabalho destes três dias foi o método Ver, Julgar e Agir: os três passos inter-relacionados que nos permitiram enfocar com maior precisão a nossa realidade sócio-política e sócio-religiosa; julgá-la a partir de critérios interiorizados esboçados nos acontecimentos que foram, há 50 anos, o início do Concílio Vaticano II, e há 40 anos, a Teologia da Libertação formulada por Gustavo Gutiérrez, um de seus principais pioneiros. Finalmente, retornar àquela realidade para recriá-la segundo “a nova terra e o novo céu” que o Apocalipse nos apresenta como horizonte e nova criação.
A aproximação a este caminho se deu pelo recurso a uma linguagem vital, pela boca dos testemunhos populares, com uma apresentação mais sistemática e téo-lógica. O encontro entre ambos os saberes sempre é sumamente enriquecedor e estimulante para dar razão da esperança do povo.
1. Aproximação da realidade (VER)
Obscuridades e sofrimentos
Ouvimos a tragédia das famílias pobres camponesas, indígenas e ladinas, cada dia mais esquecidas e desprovidas de seus territórios e riquezas naturais como a água, isto é, da base vital para a sua sobrevivência física e cultural. Chegou também aos novos ouvidos o drama das pessoas que migram, expulsas de seus países por já não encontrarem neles meios de subsistência e atraídas por novas possibilidades de trabalho e ingressos em países do Norte. Ressoou em nós o grito de Deus na via crucis do povo haitiano, não apenas por causa do terremoto e do cólera, mas por conta de séculos de escravidão e opressão. Também nos impressionou a solidariedade praticada generosamente por muitas pessoas pobres e muitos grupos eclesiais em tempos de suprema necessidade. Diante da dolorosa cotidianidade onde as mulheres quase sempre e em tudo são relegadas aos últimos lugares, elas se organizaram para recuperar sua auto-estima e participar como verdadeiras cidadãs em diversos programas.
Obstáculos
Dificultam avançar rumo ao país sonhado grandes nós problemáticos que acorrentam os nossos países: a desigualdade, a exclusão e a pobreza; a insegurança cidadã; a fragmentação familiar e social causada pelas migrações; os insuficientes, ineficientes e injustos sistemas educacionais; a fragilidade de nossas instituições democráticas e a falta de uma cidadania esperta, crítica e ativa nos cenários sociais e políticos com novas propostas.
Atualidade eclesial
Vivemos uma situação eclesial em que as considerações da Teologia da Libertação e o modelo da Igreja dos pobres continuam presentes e ativas, mas com o risco de que esta realidade seja afogada por teologias, espiritualidades e pastorais que funcionam como esteios do sistema vigente. Diante de muitos fenômenos da realidade social, nossas Igrejas se encontram às vezes defasadas e “perplexas”, sem lucidez pastoral e evangélica, inseguras em relação à sua identidade e até presas a processos de involução. Não promovem o papel que as leigas e os leigos estão chamados a cumprir como Igreja na sociedade. Por outro lado, há setores eclesiais que, com programas sociais e palavras proféticas, estão presentes nela, embora geralmente com pouco efeito nas políticas públicas. Há uma silenciosa e solidária Igreja dos pobres na linha libertadora, apoiada por muitas religiosas, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e centros de formação para o laicato.
2. Um olhar de fé sobre a realidade (JULGAR)
Espiritualidades
A espiritualidade e a teologia de muitas pessoas e comunidades crentes implicam um julgamento sobre aquela realidade social e eclesial descrita no primeiro dia das Jornadas. O segundo dia nos foi inspirado pelo frescor e sabedoria das CEBs, da espiritualidade garífuna, dos maias e outros povos indígenas e afro-americanos. Ficamos comovidos com o testemunho de um jovem haitiano comprometido com processos de leitura bíblica popular. Como pedagogo nato, ajuda a sua comunidade a ler o Evangelho e colocá-lo em prática.
Kairós
Compreendemos o Concílio Vaticano II como um kairós: como um tempo favorável que irrompe inesperadamente e depois de 400 anos de tempo desfavorável. Uma das coisas boas que o Concílio possibilitou foi devolver a Bíblia ao povo, acessível agora em seus próprios idiomas. Antes do Concílio, temia-se que a Palavra de Deus caísse em mãos de pessoas não ilustradas. Recuperou a expressão bíblica e o conceito eclesiológico de “Povo de Deus”.
O kairós que irrompeu com o Concílio, prolongado na Igreja dos pobres na América Latina, corre o risco de se esgotar. Os documentos, caso não forem acompanhados por mudanças estruturais profundas, não modificam o modelo eclesial de cristandade construído com o apoio do poder e do dinheiro. Chegou até nós claramente o chamado a nos comprometermos, teológica e pastoralmente, em todos os ambientes e campos do espaço social, construindo uma Igreja dos pobres, sal e luz no mundo atual pluralista e globalizado.
3. Chamados para transformar a realidade (AGIR)
Pequenos projetos
Neste caminho da Igreja dos pobres brotam sinais da novidade do Reino. Trata-se de experiências pequenas, mas significativas por sua auto-sustentabilidade e empoderamento dos pobres. Iluminaram este terceiro momento das Jornadas as tendas de alimentação comunitárias; programas de alimentação saudável e econômica com base na soja; e a defesa do território da ameaça voraz de empresas nacionais e internacionais de mineração, hidroelétricas e outros megaprojetos. Surpreende-nos tanta criatividade na solução dos problemas vinda de baixo.
Teologia dos novos tempos
É hora de perder o medo e aprofundar a fé em Deus. Os e as mártires são o espelho no qual a teologia indígena nos convida a viver juntos um novo amanhecer que propicie a harmonia e a integração como novo conceito de fraternidade. A necessidade de elaborar uma agenda teológica nos leva a nos abrir a um Deus vivo e livre, contrário à visão de um deus preso a dogmas, ritos, normas morais e patriarcalismos. É tarefa de todos e todas construir esta nova agenda encarnada, includente, dinâmica, propositiva, ecumênica e em diálogo com diferentes espiritualidades e pensamentos. Que ninguém fique para trás!
No momento eucarístico final, celebramos a história e a vida compartilhadas ao longo destes dias, em comunhão com os nossos povos e cantando sua esperança.
Mariápolis, Guatemala
29 de abril de 2011.
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