domingo, 17 de abril de 2011

TAREFAS DO CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO (VII): TEOLOGIA CRÍTICA E A NOVA GERAÇÃO

Não haverá um cristianismo de libertação sem que haja um pensamento teológico crítico que reflita criticamente a experiência de fé e práticas sociais de libertação, além de criticar a idolatria que move a sociedade atual. Muito já se escreveu sobre teoria ou um pensamento crítico, por isso, quero mencionar aqui somente alguns aspectos de um pensamento teológico crítico que penso serem importantes para o cristianismo de libertação.

O primeiro é a consciência de que o oposto da verdade não é o erro ou a falsidade, mas sim a "injustiça dos homens que mantém a verdade prisioneira da injustiça” (Rom 1,18). Não estamos falando aqui sobre a verdade em termos da ciência, que trabalha com o binômio "afirmação correta X a errada”, mas sim em termos da "verdade que liberta”, no sentido da verdade que realiza o sentido humano da vida, o que deveria ser, versus a mentira que mata.

Entendida a verdade desta forma, o critério fundamental não é mais a ortodoxia, que se preocupa com a formulação correta da doutrina religiosa, mas a ortopraxis, a prática que realiza ou liberta a verdade das injustiças e, portanto, da mentira que encobre os assassinatos e injustiças. Este tipo de pensamento assume como uma das suas tarefas fundamentais o desvelamento e a crítica das ideologias que encobrem a idolatria (sacrifícios de vidas humanas em nome de alguma instituição elevada à categoria de sagrada, no caso do capitalismo neoliberal, o "mercado livre”). Por isso, como diz Hinkelammert, citando Marx, no "imperativo categórico de lançar por terra todas as relações em que o ser humano seja um ser humilhado, subjugado, abandonado e desprezado”.

Sem teologia(s) crítica(s), não há um cristianismo de libertação. E sem uma nova geração de teólogos e teólogas que produzam esse tipo de teologia, também não haverá esse tipo de cristianismo. Isso nos leva ao grande desafio hoje de formar a futura geração de pensadores críticos – seja no campo da teologia ou nas outras áreas de conhecimento humano e social – que sejam capazes de articular a experiência da fé, a sabedoria (ou a revelação) contida na tradição bíblico-cristã e a análise crítica da realidade social hoje. Quem conhece um pouco da realidade dos seminários ou faculdades de teologia, seja no mundo católico, protestante ou evangélico, sabe que este tipo de teologia não goza de muito prestígio ou aceitação. O que não quer dizer que não haja grupos que estão lendo e discutindo livros dessa linha.

Anos atrás, o saudoso José Comblin escreveu que atual geração, que é mais pietista-carismática, não quer saber de teologia (séria), porque teologia faz mal ao pietismo ou ao carismatismo atual. Mas que é preciso continuar escrevendo teologia para que as próximas gerações não tenham que começar do zero. Eu não sei se essas palavras ainda valem; mas é verdade que livros de teologia mais crítica estão vendendo bem menos e mesmo editoras antes bastante comprometidas com essa linha estão relutantes em publicar livros desse tipo também por conta da pouca venda.

Livros devocionais (que não deixam de ter a sua função) são consumidos como se fossem de teologia, levando os leitores e estudantes a perderem a dimensão crítica da teologia. Com isso, vai se erodindo um dos pilares fundamentais de um cristianismo crítico, o seu pensamento teológico crítico.

O cristianismo de libertação enfrenta um desafio geracional: a formação de uma nova geração de pensadores críticos competentes e a produção de teologias e pensamentos cristãos críticos que correspondam ao nosso tempo e à atual geração. Pois, a repetição de teologias e teorias que foram críticas nas décadas de 1980 e 90 e a mera sistematização dos autores clássicos não cumprem mais a função de teoria crítica e nem formará a nova geração.

Penso que é uma tarefa difícil, mas fundamental, que exige alianças e trabalho conjunto entre grupos e instituições do campo do conhecimento e de formação teológica. Trabalho conjunto este que só será possível se diferenças menores (e também certas rivalidades) forem deixadas de lado.

Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo

[Autor, junto com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus].

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