segunda-feira, 14 de março de 2011

O JESUS ''HISTÓRICO'' E AS VERDADES DA IGREJA

Para o teólogo italiano Enzo Mazzi, fundador da comunidade de base do Isolotto, na Itália, "a teologia sacrificial do Cristo que salva enquanto Filho de Deus morto e ressuscitado virá depois, quando o cristianismo terá que se dirigir ao mundo pagão. Será essa teologia o fulcro do triunfo da nova religião. Um triunfo, porém, contestado como traição e desvitalização do DNA generativo do movimento de Jesus".

O artigo foi publicado no jornal Il Manifesto, 13-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O novo livro sobre Jesus com o qual o Papa Ratzinger se esforça para mostrar e demonstrar a historicidade de Cristo e, particularmente, da Sua morte-ressurreição revela uma angústia. Ele admite isso claramente quando escreve: "O barco da Igreja (...) muitas vezes se tem a impressão de que vai afundar".

E eis a importância da realidade plenamente divina e plenamente humana do Salvador Jesus. É Jesus Cristo o único salvador e a chave da salvação universal. E é a Igreja católica governada pelo Papa e pelos bispos unidos ao Papa a guardiã única e universal, por todos os séculos, da chave confiada a ela por Jesus. Toda a busca humana de sentido da vida e de salvação material e moral seria completamente inútil sem o Deus que se faz homem e oferece em sacrifício a sua vida.

São dois milênios que essas "verdades", esses absolutos, são repetidos identicamente, declinados em códigos expressivos diversos, traduzidos em todas as línguas do mundo, mas sempre substancialmente iguais a si mesmos: é Jesus o único salvador universal, por meio do seu sacrifício perene.

De fato, sobre o Jesus histórico não se sabe quase nada. É quase um dado óbvio na teologia bíblica não servil. Os Evangelhos não são a história de Jesus, mas sim a reflexão teológica em formas narrativas ou rituais das comunidades cristãs do primeiro século em ambiente pagão. Além disso, já se reconhece que os testemunhos mais antigos não são os Evangelhos canônicos. São as tradições dos chamados loghia, isto é, dos "ditos" de Jesus. Que, antes, foram repassados oralmente no ambiente palestino e depois foram inseridos nos Evangelhos.

Esses "ditos" de Jesus são "o Evangelho antes dos Evangelhos". Depois, o Evangelho dos ditos de Jesus foi perdido, porque os escribas deixaram de fazer cópias deles por consequência da fixação autoritativa do cânone. Hoje, se diria apressadamente, que sofreu uma censura. Foi recuperado ou redescoberto em 1838, por meio de um delicado trabalho de filologia, inserido nos Evangelhos canônicos. Foi publicado só em 2007, em italiano, pela editora Queriniana, em um livro organizado por um grande especialista, James M. Robinson: I detti di Gesù.

Esse atraso de quase dois séculos diz muita coisa sobre as resistências postas pela autoridade eclesiástica à publicação de um texto histórico que coloca em crise as certezas dogmáticas. Por que esse Proto-Evangelho é importante? Porque a imagem de Jesus que se obtém dele é muito diferente da fixada nas narrações canônicas dos Evangelhos. E principalmente é diferente a imagem que se obtém do cristianismo nascente. Não há, exceto no pano de fundo, relatos de milagres e principalmente não há notícia dos fatos do nascimento, da morte e da ressurreição. Essa ausência de eventos tão fundamentais para os Evangelhos canônicos e depois para o dogma é impressionante.

O acento está posto não sobre a pessoa de Jesus, mas na mensagem e no movimento messiânico de compromisso com a realização do Reino de Deus. O qual, traduzido em termos modernos, se poderia definir como movimento por um "mundo novo possível". O Jesus do Proto-Evangelho é principalmente um "filho do homem", que, literalmente, pode significar "Filho da humanidade", parte de um movimento histórico de libertação radical.

Há, nesse documento, só um eco flébil do processo de mitização da pessoa de Jesus, que está a recém em seu início e que, porém, logo desembocará na divinização. Está ausente o ser divino-humano, o deus encarnado que se sacrifica para redimir a humanidade pecadora. O que, ao contrário, será depois oferecido sobretudo pela Igreja de Paulo ao mundo pagão, ávido de sagrado e de salvação mística.

Obviamente, as pessoas na origem desse Proto-Evangelho, que de boca em boca repassavam os ditos de Jesus, conheciam a morte de Jesus. Mas, para eles, a morte do profeta não tinha o significado de sacrifício. Não se sentiam empenhados em anunciar a morte. "Segui-me e deixai que os mortos enterrem os seus mortos" é uma afirmação fundamental do Proto-Evangelho. Não a morte, nem o sacrifício, nem o milagre havia mudado as suas vidas. Mas a mensagem culturalmente revolucionária de Jesus havia dado um sentido novo à sua existência. Nisso, e não no milagre, encontravam o sentido da ressurreição. Sentiam-se comprometidos em anunciar essa mensagem e a experiência de vida que estava por trás, para que mudasse a vida de muitos e transformasse radicalmente a sociedade, dando vida a um mundo novo.

A teologia sacrificial do Cristo que salva enquanto Filho de Deus morto e ressuscitado virá depois, quando o cristianismo terá que se dirigir ao mundo pagão. Será essa teologia a carta vencedora, o fulcro do triunfo da nova religião. Um triunfo, porém, contestado por pessoas, também sinceramente fiéis, com senso crítico, ao longo de toda a história, da antiguidade até hoje, como traição e desvitalização do DNA generativo do movimento de Jesus.

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