terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

FEVEREIRO SEM CARNAVAL

Janeiro finda, abre-se fevereiro. Mês do carnaval, festa que, neste ano, será adiada para março. O início de fevereiro, entretanto, marca o retorno das atividades nos poderes legislativo e judiciário, ao passo que o executivo já conta com 30 dias de agitação febril e de disputas de bastidores. Com seus salários engordados em mais de 60%, os políticos voltam a ocupar o cenário do Planalto Central.

Em pauta, assuntos prementes nas três casas: Congresso Nacional, Tribunal Superior e Palácio do Planalto. Determinados temas são espinhosos, alguns absolutamente inadiáveis e outros recheados de ideologia e moralismo. Por onde começar? É com esta pergunta na garupa que poderíamos galopar com maior aceleração para um sistema democrático mais aberto e participativo.

O instrumento privilegiado, neste caso, é a consulta direta à população. No final da década de 1990 e início da década de 2010, um conjunto de movimentos populares, organizações não governamentais e pastorais sociais promoveram vários plebiscitos: sobre a questão da dívida externa, sobre a aprovação ou não da Alca, sobre a privatização da Vale do Rio Doce. Tais iniciativas resultavam da reflexão acumulada pelo processo das quatro Semanas Sociais Brasileiras (SSB), o qual, desencadeado no começo dos anos 90, acabou entrado pela década seguinte.

Talvez a expressão mais viva e criativa de todo esse processo de aprofundamento da realidade brasileira seja o Grito dos Excluídos, em suas versões nacional e continental. Surgido no decorrer da 2º SSB, em setembro de 1995, até os dias atuais se mantém alerta aos clamores que brotam dos porões e grotões mais sórdidos da sociedade brasileira. Mescla de luta e de festa, de lágrima e de riso, não deixa de ser um quadro a cores da cultura nacional, onde se misturam e se entrelaçam a dor e a esperança, o sonho e a busca, a resistência e a teimosia. Igualmente significativas são a Campanha Jubileu Sul, as Assembleias Populares e a parceria com o Fórum Social Mundial.

Nem precisaria acrescentar que os debates das Semanas Sociais e dos Plebiscitos, não raro combinados com as manifestações do Grito, levaram às ruas mais de 10 milhões de cidadãos. Estenderam-se praticamente a todos os estados da União, semeando urnas em praticamente todos os municípios do território nacional. Além disso, contaram com o trabalho de mais de 120 mil lideranças e agentes, grande parte em caráter voluntário, o que dá uma idéia das forças vivas e ativas da nação.

Por que iniciativas desse gênero, desenvolvidas com sucesso na planície, e legitimadas pela Constituição Brasileira, não despertam interesse no Planalto Central? Ao contrário, muitas vezes são vistas com precaução e temor, para não falar da indiferença ou da perseguição, por exemplo, do então Ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan? Nem mesmo no tempo de Lula a consulta direta às bases ganhou maior espaço. O medo de abrir um canal de participação às organizações populares traz embutido o receio de que a janela se amplie demasiadamente. Numa palavra, a ojeriza em abrir o palco à ação popular reflete, nada mais e nada menos, o temor de uma verdadeira democracia.

Não bastam os Conselhos Municipais, se eles acabam sendo controlados pelos representantes do poder local. Também não basta o ato de votar nas eleições, se estas são previamente marcadas pela força de quem tem mais dinheiro e influência. Tampouco bastam os plebiscitos, se seus resultados caem no indiferentismo mórbido das autoridades. O desafio é a criação de novos instrumentos e mecanismos de controle popular, seja quanto às decisões políticas e judiciárias, seja quanto ao destino do erário público, seja, enfim, quanto ao “que”, ao “como” e ao “para quem” produzir, comercializar e/ou consumir.

Será tão difícil, complicado e perigoso organizar consultas regulares à população? Não é prática comum em determinados países, como Suécia, Dinamarca, Noruega, etc.? Talvez o uso das urnas eletrônicas acabe se tornando um empecilho a esse tipo de consulta. Se o caso é esse, não valeria a pena sacrificar a tecnologia de ponta em favor da participação efetiva, voltando às cédulas antigas? Para mim a resposta é sim, contanto que se pudesse acrescentar ao mero apertar de botões com os números dos respectivos candidatos, questões sobre a educação, a saúde, o meio ambiente, os transportes públicos, a segurança, entre outras. Sobre tais plebiscitos poder-se-íam organizar políticas públicas com maior base de sustentação e, consequentemente, de aceitação popular.

O que está em jogo é a relação entre os eleitores e seus representantes democráticos. Ou, metaforicamente, entre o “vale de lágrimas da planície” e o “trem da alegria” do planalto. Mais do que correntes de transmissão, parece haver interruptores invisíveis separando os dois pólos. O diálogo possível foi há muito substituído pelo monólogo do poder centralizado e autoritário. Os canais de acesso ou estão interrompidos ou, o que é pior, necessitam de padrinhos e gorjetas para serem reabertos. E assim seguimos em vias paralelas: os extraterrestres do planalto, do alto de seus tronos, quase imortais, parecem cegos e surdos às inquietudes e problemas que atormentam os simples terráqueos, pobres mortais que, gota a gota vão perdendo filhos, esperanças e a confiança nas autoridades (ir)responsáveis.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

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