quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

DESAFIOS DA PASTORAL DA CRIANÇA CRESCERAM, DIZ COORDENADOR

A Pastoral da Criança prepara uma campanha para reduzir o número de mortes causadas por infecções respiratórias, como pneumonia. Nela, vai pedir para que a primeira dose de antibiótico seja imediata, logo após a consulta com o médico e ainda dentro da unidade de saúde. Também vai alertar para informações incompletas em bulas de remédios, que falam em diluição do medicamento em água filtrada ou fervida e não dizem que pode ser usada a da torneira.

A reportagem é de Marli Lima e publicada pelo jornal Valor, 17-02-2011.

"A mãe volta para casa, lê a bula e, como não tem filtro, vai ferver a água, esperar esfriar e só então dar a primeira dose. Essa demora está levando a internações e mortes", diz o médico Nelson Arns Neumann, coordenador nacional-adjunto da instituição.

Trata-se de nova batalha da pastoral, que, em 2009, obteve sucesso com a campanha "Este Lado Para Cima", ao orientar os pais sobre a posição mais segura para evitar a morte súbita de bebês. O novo trabalho será mais uma amostra de que a instituição continua firme no propósito de salvar a vida de crianças, mesmo após a morte de sua fundadora, a médica Zilda Arns, no ano passado, no terremoto do Haiti.

Se, no começo, a pastoral foi bem-sucedida ao ensinar a usar soro caseiro feito com água, sal e açúcar para combater a desidratação, agora os desafios são mais complexos e a dependência dos serviços de saúde aumentou. "A parte fácil de atuação da pastoral passou", diz Neumann, 45 anos, que é doutor em saúde pública e filho de Zilda.

Ele já estava acostumado com a rotina da pastoral, onde começou a trabalhar em 1990, após atuar como médico missionário em Bacabal, no Maranhão. "A mãe sempre levava os filhos para o que estava fazendo. Até nas férias", conta. Após a morte de Zilda, tragédia, coube a Neumann assumir as funções da mãe na entidade - em 2008, ela passou o cargo de coordenadora nacional para a freira Vera Altoé e assumiu a coordenação internacional.

Neumann passou a ter rotina parecida com a de Zilda, com viagens constantes. Ele conta que, por "barreira linguística", não foi para o Haiti, mas duas missões com pessoas que falam francês foram enviadas para lá em 2010 e o trabalho foi implantado em Fort Liberté, na divisa com a República Dominicana. "Não temos experiência para atuar em áreas de catástrofe", explicou, ao falar sobre a situação da capital haitiana, Porto Príncipe.

Segundo ele, quando um trabalho é iniciado, a expectativa da pastoral não é com ganho de escala, mas com a transferência de metodologia para saúde e educação e também de gerenciamento.

O braço internacional da instituição foi criado em 2008 e tem sede em Montevidéu, com o nome de Pastoral de la Niñez Internacional. "Visitando os países pobres, vejo que a pastoral hoje é mais importante para a África e outros países da América Latina e do Caribe que para o Brasil", avalia. A instituição recebe doações para projetos internacionais de diversos parceiros, mas ele reclama que, no caso da Haiti, só não foram maiores por falta de mecanismo legal para a transferência de recursos.

Neumann conta que perdeu o pai quando tinha 12 anos, e Zilda sempre dizia que os filhos teriam que se preparar para sua ausência. Ela também fazia questão de ressaltar que Vera não seria sua substituta, mas sucessora. E explicava que, de uma substituta, as pessoas esperam as mesmas coisas. O sucessor tem seu próprio método. "As pessoas são diferentes e os tempos também são diferentes", diz Neumann. Vera é hoje a coordenadora nacional e Neumann, além de adjunto no cenário nacional, é o coordenador internacional da Pastoral, cargo que era de sua mãe.

Sobre o novo cenário, ele afirma que o número de crianças por família diminuiu nos últimos anos e as distâncias para atendimento aumentaram. A pastoral entrou em nova fase, com foco nos pobres e também em novas doenças, o que exige maior qualificação dos 240 mil voluntários que possui. A pastoral está em todos os Estados brasileiros e, em 2010, acompanhou 81 mil gestantes e 1,6 milhão de crianças com até seis anos.

Outro desafio é a administração do caixa. A pastoral fechou o exercício de 2010, encerrado em setembro, com déficit de R$ 12,3 mil, mesmo fazendo reversão de provisão para contingências no valor de R$ 1,27 milhão. No balanço, houve queda no repasse de verbas por parte de alguns parceiros e a saída de outros, como Gol e Nestlé.

A Gol informou que apoiou a instituição de 2004 a 2008 e, com mudanças na política de patrocínios da empresa, o contrato não foi renovado. No caso da Nestlé, o apoio é para projetos específicos, com fornecimento de materiais. Mas foram registradas entradas extras, como os R$ 238 mil que seriam destinados a compras de flores para o velório de Zilda. A pastoral sugeriu que o dinheiro, que seria usado em coroas, poderia ser doado, e foi atendida.

A maior diferença, no entanto, refere-se a repasses do Ministério da Saúde, fato que é explicado por questões burocráticas. No exercício anterior, foi contabilizado o valor integral de um contrato, no valor de R$ 33,9 milhões. Em 2010, o que consta é a primeira de seis parcelas que serão liberadas, no valor de R$ 5,6 milhões cada.

Neumann reclama que, recentemente, aumentou a burocracia no relacionamento com o Siconv, sistema de convênio do governo federal. Em vez de funcionar com pequenos caixas nos municípios e auditoria por amostragem, a pastoral teve de passar a trazer notas de 4 mil municípios para Curitiba, onde fica a sede, para fazer a prestação de contas. Do último convênio, foram 354 mil notas, sendo 70 mil inferiores a R$ 10. "Nos assustou a informação, no fim do ano, de que as notas terão de ser digitalizadas e colocadas uma a uma na internet", diz. Para a tarefa teriam de ser contratadas 37 pessoas.

Administrar a entrada e saída de recursos nunca foi tarefa fácil na instituição. Neumann diz que já conviveu com períodos de "vacas gordas e de vacas magras". Ele cita um personagem bíblico para ilustrar a situação. José do Egito, homem usado por Deus para gerenciar o período de estiagem que viria pela frente, e que criou uma estratégia para armazenar alimentos no período de prosperidade. "A seca era certa, mas os celeiros estavam cheios", explicou, sobre a provisão feita em 2007, no valor de R$ 6,5 milhões, para cobrir possíveis efeitos causados por alteração na legislação.

Agora, segundo ele, os celeiros estão com menos da metade da capacidade. Independentemente da contabilidade, o trabalho dele continua, especialmente em países que servirão de referência e apoio para os vizinhos - Paraguai, Guatemala, República Dominicana, Angola, Timor Leste e Peru.

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