No próximo dia 8 de fevereiro, o Fórum Mundial de Teologia e Libertação irá celebrar, dentro do Fórum Social Mundial, em Dakar, no Senegal, uma oficina sobre "Religiões e Paz: A visão/teologia necessária para tornar possível uma Aliança de Civilizações e de Religiões para o bem comum da humanidade e a vida no planeta". A organização da oficina é da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo - ASETT/EATWOT.
Para facilitar a participação e o debate, a EATWOT disponibilizou as conferências resumidas de vários especialistas que serão apresentadas sobre a temática proposta na oficina do ano que vem.
Hans Ucko, ex-presidente do Departamento de Diálogo Inter-Religioso do Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra, Suíça, analisa, no texto abaixo, o significado da paz no pluralismo religioso a partir de sua tradução em hebraico, shamayim, composta pela soma dos termos "fogo" e "água".
Eis o texto.
Religiões e Paz
A visão/teologia necessária para tornar possível uma Aliança de Civilizações e Religiões para o bem comum da humanidade e da vida no planeta
O que é a paz?
Encontrei uma perspectiva na tradição judaica, em que os rabinos debatiam sobre as palavras da oração chamada Kaddish: "Que tenhamos muita paz do Céu". E perguntaram: "Como será ter paz do céu? Qual é a qualidade da paz no céu?". Os rabinos examinaram a própria palavra "céu", que em hebraico é shamayim. E os rabinos descobriram que podiam reconhecer duas palavras ocultas em shamayim.
Essas duas palavras eram absolutamente opostas entre si: (e)sh é fogo, e mayim é água. E os rabinos entenderam uma importante dimensão da paz celestial. No céu, a paz é a convivência do fogo e da água, uma comunhão dos opostos. Fogo e água estão unidos no céu, mas a água não apaga o fogo, e o fogo não evapora a água. Não é um jogo de soma zero, um equilíbrio de terror ou uma tentativa de paz em um equilíbrio de poder. Também não há nenhuma barreira de separação entre o fogo e a água. Fogo e água são reconciliados na diversidade. E, no entanto, não há fusão. Eles são diferentes, e juntos formam aquilo que é a paz.
O paradoxo é necessário para obter as novas perspectivas de que necessitamos. Devemos nos separar dessa forma de pensar em que, se eu estou certo, você tem que estar errado.
Um homem foi ao juiz queixando-se do seu vizinho, e o juiz lhe disse: "Você tem razão". Então veio o vizinho e se queixou. E o juiz lhe disse: "Você tem razão". A esposa do juiz, que havia escutado as duas resoluções de seu esposo, disse: "Como os dois podem ter razão? Isso não é possível". E o juiz disse: "Você tem razão".
Isso é tão incompreensível como fogo e água em paz no céu. E, no entanto, o juiz está certo: ele ofereceu um espaço em que os elementos contraditórios, as visões contraditórias, as declarações contraditórias e as reivindicações contraditórias puderam ser ouvidos juntos.
É nesses espaços e nessas encruzilhadas em que surge a possibilidade para outro tipo de pensamento e de discurso, em afinidade com a nossa época de mudança contínua da realidade e do conhecimento e em que a experiência concreta importa mais do que muitos princípios fixos e abstratos.
Isso afetará a como olhamos a nós mesmos e ao outro, ao que é diferente de nós, diferente na fé, na cultura, na nacionalidade, no gênero etc. Veremos que, com frequência, projetamos uma visão do outro, porque temíamos pôr fogo e água no mesmo espaço, temíamos que mais de uma opinião fosse considerada certa. A moral da história sobre o céu com fogo e água é a de nos tornar conscientes dos perigos de compreender abstrata e estaticamente a si mesmo e ao outro. Nós nos daremos conta de que aquele que chamamos de "outro" é, frequentemente, a nossa própria projeção e construção.
Hans Ucko
Ex-presidente do Departamento de Diálogo Inter-Religioso do Conselho Mundial de Igrejas
Genebra, Suíça
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