quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DE PERTO, NINGUÉM É SANTO

De vez em quando somos surpreendidos com notícias que abalam nossa fé na humanidade, ou pelo menos a nossa admiração aos nossos "heróis, heroínas, santos e santas". Um tempo atrás, por ex., os diários da Madre Tereza de Calcutá revelaram que ela passou por profundas crises de fé, de dúvida em relação a Deus. Como uma "santa" como ela poderia ter crise de fé? É claro que muitos se apressaram a diminuir a importância dessa crise dizendo que isto é "normal". Provavelmente estavam tentando salvar a imagem de santidade dela. Mais perto de nós, tivemos, não muito tempo atrás, polêmica envolvendo o nome do padre Júlio Lancellotti. Agora, temos o "caso" do padre François Houtart.

Essas três pessoas que citei acima fazem parte da minha biografia pessoal. A vida e os escritos da Madre Tereza alimentaram muito a minha formação e vida espiritual; do padre Júlio Lancellotti, sou amigo e fomos colegas de classe durante quatro anos da Faculdade de Teologia, quando comecei a admirá-lo pela sua profunda sensibilidade em relação às pessoas que sofrem e a sua coragem pastoral. François Houtart, eu tive contato breve com ele algumas vezes, mas os seus livros (em especial "Religião e modos de produção pré-capitalista") marcaram a minha formação intelectual. Assim, sou uma pessoa que foi tocada por essas "polêmicas".

Eu não vou discutir aqui a culpabilidade, responsabilidade ou inocência dessas pessoas. Pois só Deus pode conhecer o que passa no mais íntimo das pessoas e a verdade plena do acontecimento. O meu foco aqui é outro.

Uma coisa que noto em momentos assim é o "susto" e o desapontamento com as pessoas que consideramos "santas". Como uma pessoa tão "boa", comprometida com a causa de Deus e das pessoas sofridas, podem se envolver em problemas assim? É claro que os que se opõe aos trabalhos e as causas dessas pessoas aproveitam o momento para desmascarar o que chamam de "hipocrisia". No fundo, muitos dos que são a favor e os que são contra compartilham de uma mesma visão: esperam que essas pessoas sejam "impecáveis", santas e heroínas. Daí o desapontamento quando o ser humano real, com todas as contradições, aparece de trás do mito criado em torno dele.

Esse desapontamento pressupõe uma antropologia otimista que crê que o ser humano pode (e deve) chegar a um nível de santidade tal que o leve a viver de uma forma impecável, sem pecado, em todas as dimensões da sua vida. Que seja socialmente comprometido, não caia em nenhuma tentação de poder e sexual, não tenha vaidade nem mal humor, não cometa erros etc. E projetamos em nossos "ídolos", santos ou heróis, essa perfeição que almejamos e exigimos de nós e de outros.

Eu penso que esse "otimismo antropológico", que dialeticamente leva a uma postura de cobrança severa, podendo chegar a um moralismo de pior tipo, é um equívoco. Nós seres humanos não fomos feitos para sermos santos! Não no sentido de perfeição, de ausência completa de contradições internas e de pecado. Só Deus é Santo! Nós humanos, somos simplesmente humanos. Se só Deus é Santo, como podemos viver a nossa vocação à santidade? A santidade que nos corresponde é aceitarmos que somos pecadores e tentarmos viver da melhor maneira possível dentro dessa contradição. Isto é, a nossa vocação à santidade não é superarmos a nossa condição humana, mas de amarmos uns aos outros dentro dessa condição carnal, sendo solidários especialmente com os mais "pequenos", na medida do possível.

Paulo apóstolo disse: "Eu não faço o bem que quero, mas sim o mal que não quero" (Rom 7,19), mostrando assim um realismo antropológico que reconhece a contradição do qual somos feitos.

Em uma perspectiva antropológica mais realista, a nossa percepção de casos assim será diferente. Por ex., no caso do François Houtart, que admitiu ter molestado sexualmente, 40 anos atrás, a um sobrinho seu, poderíamos ver e valorizar a sua luta pessoal, íntima, para dedicar a sua vida em função dos grupos e povos pobres, em meio e apesar de suas paixões e impulsos contraditórios. Ele deve ter lutado muito! Ao invés do desapontamento, poderíamos sentir mais admiração pela sua vida dedicada aos pobres e à causa da justiça e, porque não dizer, também uma tristeza pelo sofrimento que ele e as pessoas envolvidas no caso devem estar passando.

Assim, poderíamos perceber que não há pessoas santas, mas sim somente aquelas que lutam com as suas contradições e "espinhos na carne" (cf 2Cor 12,7) para continuar na causa do Reinado de Deus e outros que adotam o discurso do louvor ao mito do "homem perfeito" (assim como de uma "nova sociedade perfeita) para acusar outros e justificar as suas palavras belas, mas sem compromisso e incidência reais na história.

Como diz o povo, "de perto ninguém é normal/santo".

Jung Mo Sung - Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo

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