Recentemente, tivemos acesso à exortação apostólica "Verbum Domini", de Bento XVI sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (11/11/2010), na qual recolhe as conclusões da assembleia especial da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
O documento -que consta de uma introdução, três partes e uma conclusão- tem como fio condutor o seguinte postulado: "O Cristianismo não é uma religião do livro: o Cristianismo é a religião da Palavra de Deus, não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo". Compreender a palavra bíblica não como uma palavra distante, abstrata e alheia ao curso da história, mas como uma palavra encarnada que anima, inspira e interpela; coloca novamente a necessidade de unificar a fé com a vida.
A terceira parte do documento, intitulada "verbum mundo", sublinha o dever dos cristãos de anunciar a Palavra de Deus no mundo em que vivem. Recorda-se que esses (cristãos/cristãs) estão chamados a servir ao verbo de Deus nos irmãos mais sofridos. Concretamente, são assinalados nove aspectos desse serviço, dos quais enunciamos e resumimos cinco, que consideramos fundamentais para a vida de nossos povos:
Primeiro: o compromisso com a justiça na sociedade. Reconhece-se que a Palavra de Deus impulsiona os seres humanos a estabelecer relações animadas pela retidão e pela justiça; denuncia sem ambiguidades as injustiças; promove a solidariedade e a igualdade; nos leva ao compromisso a favor dos que sofrem e são vítimas do egoísmo, e reforça a afirmação dos direitos humanos de cada pessoa (nos. 100, 101).
Segundo: a reconciliação e a paz entre os povos. Propõe-se a necessidade de redescobrir a Palavra de Deus como fonte de reconciliação e paz; por isso, é inconcebível justificar intolerância ou guerras em nome de Deus ou da religião. Esta, ao contrário, deveria impulsionar um uso correto da razão e promover valores éticos que edificam a convivência civil (n. 102).
Terceiro: a caridade efetiva. O compromisso com a justiça, a reconciliação e a paz tem sua raiz última e seu cumprimento no amor que Cristo nos revelou; todos os crentes tem que compreender a necessidade de traduzir em gestos de amor a Palavra escutada, porque somente assim torna-se crível o anúncio do Evangelho. O amor constitui-se em uma espécie de critério de verdade sobre a seriedade com a qual tomamos a palavra de Deus. Por isso, afirma-se no documento que "aquele que acredita ter entendido as Escrituras, ou alguma parte delas, e com essa compreensão não edifica esse duplo amor de Deus e do próximo, ainda não as entendeu" (n. 103).
Quarto: evangelização e emigrantes. A missão evangelizadora da Igreja deve prestar atenção ao complexo fenômeno da emigração; os emigrantes têm o direito de escutar o kerigma que lhes deve ser proposto, mas nunca imposto. Como cristãos, necessitam de assistência pastoral adequada para reforçar sua fé e para que eles mesmos sejam portadores do anúncio evangélico. Os movimentos migratórios devem ser considerados uma ocasião para descobrir novas modalidades de presença e anúncio, e para que se proporcione uma adequada acolhida e animação aos que buscam refúgio, melhores condições de vida, saúde e trabalho (n. 105).
Quinto: anúncio da Palavra aos que sofrem. O ápice da proximidade de Deus com o sofrimento humano pode ser completado no próprio Jesus, que é a Palavra encarnada. Sofreu conosco e morreu. Com sua paixão e morte assumiu e transformou nossa debilidade até o fim. A proximidade de Jesus com os que sofrem não se interrompeu; mas prolonga-se no tempo pela ação do Espírito Santo na missão da Igreja, na Palavra e nos Sacramentos, nos quais homens e mulheres de boa vontade, nas atividades de assistência que as comunidades promovem com caridade fraterna, demonstrando, assim, o verdadeiro rosto de Deus e seu amor (n. 106).
Em cada um desses aspectos, ressalta-se a vontade de Deus de abrir e manter um diálogo com o ser humano (o Deus que fala). E ao Deus que fala, o ser humano responde com fé, entendida como a resposta responsável à proposta de Deus. Precisamente, os cinco aspectos que destacamos, dentre uma lista de nove, de certo modo, refletem essa resposta que deve ser dada a partir do mundo concreto, com seus problemas e expectativas, com suas angústias e esperanças. Um mundo que não devemos esquivar, mas transformar a partir da inspiração da Palavra de Deus.
O documento nos traz à memória o que Dom Óscar Romero dizia quando falava da Bíblia como uma de suas principais fontes de inspiração. Para ele, tomar contato com a Escritura significou pelo menos cinco coisas: lê-la, aprofundar nela; encarná-la, colocá-la em prática e comunicá-la. Lê-la porque "a Bíblia guarda em páginas a Palavra de Deus (16/07/1978). Aprofundá-la: "Estudo a Palavra de Deus que será lida a cada domingo" (20/08/1978). Encarná-la: "Não podemos segregar a Palavra de Deus da realidade histórica (27/11/1977). Colocá-la em prática: "Todo aquele que ouve a Palavra de Deus e a pratica, constrói sobre a rocha" (04/08/1978). Comunicá-la: (para que) "anime, ilumine, contraste, repudie, glorifique o que se está fazendo hoje em nossa sociedade" (27/11/1977).
Em suma, anunciar a Palavra de Deus no mundo, na vida, na história e na natureza, é um dos principais desafios que a exortação propõe, e esse foi um dos principais legados de Dom Romero.
Carlos Ayala Ramírez - Diretor da Rádio Ysuca
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