terça-feira, 2 de novembro de 2010

O FUTURO DA IGREJA NAS MÃOS DE BENTO XVI

O poder do clientelismo pode ajudar o Papa a formar Igreja do amanhã e a influenciar na escolha do seu sucessor. Cabe examinar a forma como Bento XVI está fazendo nomeações que vão garantir que o poder do Vaticano e do Colégio dos Cardeais continuem em mãos europeias.

A análise é de Robert Mickens, publicada na revista inglesa The Tablet, 30-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Menos de um quarto dos católicos de todo o mundo residem na Europa, e seu número – como todos sabem – está diminuindo. A América Latina é o lar de mais de 40% de todos os fiéis, e a soma dos católicos da África e da Ásia ultrapassa os 25%.

Embora a Igreja universal claramente não seja mais europeia, o Papa Bento XVI deu passos deliberados no sentido de assegurar que os hierarcas do velho continente continuem governando-a pelos próximos anos. Desde que foi eleito Papa em abril de 2005, ele tem dado um número desproporcional de altos cargos no Vaticano e de chapéus vermelhos no Colégio dos Cardeais a europeus.

Nos últimos cinco anos, Bento XVI nomeou cerca de 60 pessoas para os cargos de prefeito ou presidente, secretário e sub-secretário dos principais departamentos da Cúria Romana. Quarenta e cinco deles (incluindo 28 italianos) eram europeus, enquanto apenas três (incluindo um que já se aposentou) eram latino-americanos. Seis foram escolhidos da América do Norte, quatro da África e dois da Ásia.

No próximo mês, Bento XVI irá realizar o terceiro consistório do seu pontificado e irá criar 11 novos cardeais europeus que têm menos de 80 anos e serão elegíveis em um eventual conclave para escolher o seu sucessor. Oito deles são italianos.

Ele também vai dar o barrete vermelho a outros nove "eleitores" – quatro africanos, dois norte-americanos, dois latino-americanos e um asiático. Dos 20 novos cardeais eleitores, uma proporção extraordinária – 13 no total – atualmente trabalha ou já trabalhou na Cúria Romana.

"Desde as últimas décadas do século XX, não se lembrava de uma afirmação tão impetuosa do "partido romano" em uma fornada cardinalícia", escreveu o lendário observador do Vaticano Giancarlo Zizola.

Mais quatro europeus (três da Cúria Romana), que já têm mais de 80 anos, também vão receber o barrete vermelho no próximo mês, mas sua nomeação ao Colégio é mais simbólica do que material. Os cardeais que realmente importam são os que o Papa cria para participar de um conclave, pois um deles poderá emergir como seu sucessor. E no reinado benigno de Bento XVI, cada vez mais parece provável que esse homem será um europeu, senão italiano. Isso é apenas o que os números indicam.

Depois do consistório do dia 20 de novembro, o Papa Bento XVI terá nomeado 50 dos 121 homens com direito a voto em um eventual conclave. Até ao final de janeiro próximo, o número de eleitores cai para 120, já que o cardeal Bernard Panafieu completa 80 anos e, no início de abril, cai ainda mais, para 115, por desgaste natural ainda maior. Nesse ponto, o Papa terá nomeado apenas 49 dos eleitores, já que o cardeal Agustín García-Gasco Vicente, de Valência, completa 80 anos no dia 12 de fevereiro.

Aqui está o retrato geográfico dos 49 eleitores de Bento XVI: 26 europeus (dos quais 14 são italianos); seis latino-americanos; seis norte-americanos; seis africanos; e cinco asiáticos. Excluindo qualquer morte, a composição geral de um Colégio de 115 membros em abril próximo será a seguinte: 58 europeus (23 italianos); 21 latino-americanos; 14 norte-americanos; 12 africanos; nove asiáticos; e um da Oceania. Os europeus serão apenas pouco mais da metade do eleitorado, enquanto os italianos – o maior bloco nacional – constituirá 20% dos eleitores.

Mas um cardeal não precisa ter nascido em Paris para ser europeu ou em Trastevere para ser "romano". Os 50 cardeais eleitores originalmente nomeados pelo Papa Bento são uma prova disso. Dos 23 não europeus, todos, com exceção de cinco, fizeram seus estudos teológicos em Roma, e metade dos seus cardeais trabalharam na Cúria Romana.

Não surpreendentemente, todos esses homens podem ser considerados, pelo menos, como moderadamente conservadores, e alguns são conhecidos como radicais doutrinária ou canonicamente. O mais famoso deles é cardeal recém nomeado Raymond Burke, 62 anos, chefe da Signatura Apostólica (o mais alto tribunal da Igreja) desde 2008. Outros são os cardeais recém nomeados Malcolm Ranjith, 63 (Colombo), e Mauro Piacenza, 66 (presidente do Clero). Os cardeais Franc Rodé (presidente dos Religiosos), Paul Cordes (emérito, "Cor Unum"), Angelo Bagnasco (presidente da Conferência Episcopal Italiana), Carlo Caffarra (Bolonha) e Jorge Uroso Savino (Caracas) também são ilustres membros desse grupo.

Treze dos 50 cardeais eleitores do Papa Bento XVI têm doutorado em direito canônico, e mais de uma dúzia, em teologia dogmática e fundamental. Pelo menos cinco fizeram especialização no campo da catequese ou da educação. E todos, menos 13, atuaram como bispos diocesanos em algum momento do seu ministério.

Significativamente, Bento XVI acaba de anunciar a adição de cinco estudiosos da Bíblia para a multidão com menos de 80 anos, com a nomeação dos cardeais Gianfranco Ravasi, Antonios Naguib, Robert Sarah, Laurent Monsengwo Pasinya e Malcolm Ranjith. Até agora, há apenas um eleitor com uma licenciatura em Sagrada Escritura.

No entanto, para um Papa que fez do renascimento da liturgia o foco principal de seu pontificado, Bento XVI ainda não criou um único cardeal que tenha conquistado um grau avançado em estudos litúrgicos, e nenhum dos arcebispos atualmente em lugares suscetíveis de receber um chapéu vermelho são liturgistas.

Quando um homem é criado cardeal, ele não apenas recebe uma honra especial, mas também novas responsabilidades. Estas incluem tornar-se membro de uma série de dicastérios do Vaticano e assumir um maior papel de liderança em sua região ou país de origem.

Mas nada se compara em gravidade à principal razão pela qual qualquer cardeal é criado – eleger o Bispo de Roma. E ele é quase sempre escolhido dentre os seus. Urbano VI (1378-1389), arcebispo, foi o último Papa que não era cardeal. Portanto, será que o sucessor de Bento XVI será um dos homens que ele colocou no Colégio dos Cardeais? Até agora, apenas alguns nomes estão atraindo qualquer especulação real:

- Cardeal Odilo Pedro Scherer, de 61 anos, arcebispo de São Paulo. Estudou em Roma e trabalhou durante vários anos na Congregação para os Bispos, mas também tem experiência pastoral como bispo diocesano. Ele é conservador teologicamente, culturalmente romano e geograficamente latino-americano. Sua candidatura poderia atrair o apoio de uma ampla coligação.

- Cardeal recém nomeado Gianfranco Ravasi, 68, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura. É um respeitado estudioso das escrituras, que publica e fala amplamente nos meios de comunicação populares. É considerado o candidato italiano mais forte no momento por causa da sua empatia com a cultura contemporânea e sua habilidade perceptível para envolver os não crentes no diálogo. Sua candidatura seria muito impulsionada se ele fosse nomeado arcebispo de Milão, o que muitos esperam que aconteça no ano que vem.

- Cardeal Leonardo Sandri, 67, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais. Nascido em Buenos Aires, é italiano e argentino, tem por excelência o currículo de um oficial do alto escalão da Cúria Romana, tendo estudado na Academia Eclesiástica e passado a maior parte de seu sacerdócio na Secretaria de Estado. Foi o Secretário de Estado substituto de 2000 até 2007 e uma das maiores figuras do último pontificado. Embora não tenha experiência pastoral, fez muitos amigos e seria o candidato de maior disciplina e coordenação de uma Cúria descontrolada do atual pontificado.

É claro que o próximo Papa pode não ser cardeal. Mas todo mundo espera que Bento XVI vai ter muito tempo para fazer com que ele o seja. Nos próximos dois anos, cerca de 23 espaços serão abertos para novos cardeais apenas por causa do desgaste natural.

Curiosamente, cinco dos homens que completam 80 entre hoje e o final de 2012 – García-Gasco Vicente, Mozambwe, Cheong Jin-Suk, Zen Zi-kiun e Rosales – foram criados cardeais pelo atual Papa.

Esperando no primeiro lugar da fila, há um grande número de arcebispos nomeados por Bento XVI que vão ver seus cardeais-antecessores aposentados completarem 80 anos durante esse período, o que torna provável que eles vão receber o chapéu vermelho no consistório seguinte. São eles os arcebispos Vincent Nichols (Westminster), Thomas Collins (Toronto), Timothy Dolan (Nova York), José Palma (Cebu), John Tong Hon (Hong Kong), Dominik Duka OP (Praga) e Willem Eijk (Utrecht), para citar alguns.

Os arcebispos Giuseppe Betori (Florença) e André-Léonard Joseph (Malines-Bruxelas) também devem ser criados cardeais em alguma data futura.

Claro, um número desconhecido de mudanças imprevisíveis podem ocorrer entre hoje e então. Já que o Colégio dos Cardeais é puramente de invenção humana, os Papas podem fazer o que quiserem com ele e adicionar as pessoas como acharem melhor – até mesmo Papas que gostem do desenvolvimento dentro da continuidade.

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