Quando se completam cinco dias do segundo Sínodo Africano que se celebra em Roma parece que, até hoje, as intervenções mais destacadas são a do cardeal arcebispo de Cabo Corso (Gana), Peter Kodowo Turkson, e as do patriarca da Igreja Ortodoxa Etíope, Paulos Tewahedo.
A análise é do teólogo e jornalista José Carlos Rodríguez Soto, que viveu por mais de 15 anos em Uganda, publicada no sítio Religión Digital, 08-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A análise é do teólogo e jornalista José Carlos Rodríguez Soto, que viveu por mais de 15 anos em Uganda, publicada no sítio Religión Digital, 08-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O primeiro deles, uma das figuras mais brilhantes da Igreja católica na África, referiu-se ao uso do preservativo no seio dos casais casados se um deles está contagiado com Aids, mesmo que tenha insistido na fidelidade e que tenha denunciado que na África são comercializadas camisinhas de baixa qualidade, "que pioram a situação".
"Se uma pessoa sabe que está contagiada não deveria manter relações sexuais, mas, se se trata de um casal em que um parceiro é soropositivo, eu lhe recomendaria o uso de preservativos, mesmo que na África muitas vezes isso supõe um risco a mais, já que são comercializados muitos de baixa qualidade. Existem preservativos que dão um falso sentido de segurança e fazem aumentar o contágio". Até aqui as palavras do cardeal Turkson.
Por razões que eu desconheço, há na África um número muito elevado de "casais discordantes", que, no caso de Uganda – para falar de um país que eu conheço melhor – costuma chegar a 50% entre as pessoas infectadas. Esse é um problema pastoral sério para a Igreja, já que sua posição oficial é de total rejeição à camisinha.
Há três anos, foi nomeada no Vaticano uma comissão – presidida pelo cardeal Barragán, que já está aposentado por razões de idade – para estudar esse caso. Comissão, por certo, na qual, se minha informação é correta, não há nenhuma pessoa casada. Os que trabalham no dia a dia da pastoral na África sabem que esse é um problema que precisa de respostas realistas para que os católicos se sintam devidamente orientados e não lhes cause problemas de consciência.
Há poucos meses, visitei um hospital católico rural em Uganda. Na ala em que se ocupavam dos pacientes de Aids, falei com o médico encarregado, que me disse que eles recomendavam a abstenção a esse tipo de casais. Como me dei conta de que em sua mesa de trabalho havia várias caixas de preservativos, perguntei-lhe a respeito desse detalhe, ao que ele me respondeu: "Temos aqui caso algum casal não se convence muito sobre a abstenção". Quando insisti sobre que porcentagem de casais não se convenciam da abstenção, ele me disse: "De fato, eu diria que quase 100%".
Também me chamou a atenção as declarações do patriarca ortodoxo da Etiópia, convidado pessoalmente por Bento XVI, seguramente como uma mostra de sua boa disposição ecumênica, mas também porque é o líder da Igreja mais antiga que se encontra hoje na África. O Abuna Paulos manifestou que a África é um continente rico que, no passado, foi explorado e colonizado por nações "que ainda hoje a veem com olhos ávidos" e que se lembram dela "só quando precisam de seus recursos".
O chefe religioso ortodoxo acrescentou que as nações colonizadoras não apoiaram em nada o continente negro em sua luta pelo desenvolvimento, apesar de que grande parte da civilização de outras parte do mundo é o resultado do trabalho e dos recursos da África. "Mas a África está amarrada por fortes dívidas mundiais que as gerações atuais e futuras não podem suportar", concluiu.
Não me resta a menor dúvida de que muitos dos males da África têm sua origem no colonialismo, mesmo que também não se pode esquecer que esse negócio fechou suas portas há quase 50 anos na África e não se pode continuar jogando a culpa de todos os males do continente às antigas metrópoles. Parece-me curioso, além disso, que quem faz essas declarações é o chefe da Igreja Ortodoxa da Etiópia, país que nunca foi colonizado e que se passou por guerras, fomes e ditaduras foi por causa de seus próprios dirigentes, desde o imperador Haile Selassie até o primeiro-ministro Meles Zenawi.
No fim de abril deste ano, houve detenções na Etiópia de mais de 50 pessoas acusadas de alta traição, cujos nomes nem sequer foram revelados. Zenawi prepara assim o terreno para as eleições presidenciais do próximo ano, nas quais a oposição estará praticamente anulada. Todos se lembram de que, após as últimas eleições de 2005, mais de 200 membros da oposição foram assassinados e que, durante as eleições de abril do ano passado, vários de seus candidatos sofreram ataques intimidatórios. A Etiópia promulgou durante os últimos anos leis muito duras que restringem as atividades de ONGs e da imprensa e, segundo dados das Nações Unidas, é o oitavo país mais pobre do mundo.
Não teria sido demais que o venerável patriarca tivesse se referido a esses temas, dos quais duvido muito que as nações que colonizaram a África há várias décadas sejam responsáveis. Talvez não o fez por medo do que poderia lhe acontecer em seu retorno ao país, ou talvez porque – como foi a tônica geral com a Igreja Ortodoxa – sempre tentaram se dar bem com quaisquer que estivessem no poder.
O que eu afirmo sobre o Abuna Paulos poderia ser dito sobre muitos outros bispos africanos. Durante meus anos na Uganda, ouvi uma infinidade de vezes o cardeal de Kampala, Emmanuel Wamala, pronunciar sermões contra a corrupção. Ao mesmo tempo, o mesmo eclesiástico não achou nenhuma inconveniência em ir abençoar uma das novas mansões do vice-presidente Gilbert Bukenya, um dos líderes mais corruptos do regime político atual.
De que servem as palavras se depois não correspondem aos fatos?
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