terça-feira, 29 de setembro de 2009

''O EVANGELHO NÃO É UMA IDEOLOGIA''

"Sem Deus, o progresso é ambíguo, e a história é absurda". No país mais ateu da Europa, para "construir uma humanidade nova", Bento XVI exorta os 150 mil fiéis reunidos em Morávia para "manter-se fiéis a uma herança que corre o risco de se perder". E adverte: "Muita pobreza nasce do isolamento, do não ser amados, da recusa de Deus, do trágico fechamento do homem que pensa bastar a si mesmo ou ser insignificante e passageiro". O nosso mundo está "alienado quando se confia a projetos puramente humanos", enquanto é "Cristo a única esperança certa". Excluindo Deus "do horizonte das escolhas e das ações", os homens caem nos "absurdos da história", como demonstra "a experiência do comunismo". É difícil construir uma sociedade inspirada nos valores (isto é, "bem, justiça, fraternidade"), porque "o ser humano é livre, e a sua liberdade continua frágil".

A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no jornal La Stampa, 28-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Da Virgem de Turany, a estátua levada a Brno no século IX, aos apóstolos Cirilo e Metódio, Bento XVI passou ao Castelo de Praga, onde lançou uma dura advertência contra os lobbies ideológicos e econômicos que impedem uma formação integral dos jovens e uma busca cultural baseada na verdade. Ontem, era o comunismo, hoje, é a idolatria dos negócios que ameaça a sociedade tcheca e toda a Europa, pois a falta de fé deforma o progresso econômico e científico.

Poucas horas depois da missa aberta em Morávia, o Papa falou a 300 acadêmicos de toga preta e barrete em um dos salões mais importantes da história: aqui, em 1618, ocorreu a famosa "defenestração" de três autoridades católicas que abriram caminho para a "guerra dos 30 anos" na Europa. Sob suas altas curvas, Ratzinger lembra o seu passado de professor e o "direito da liberdade acadêmica", mas agora se expressa como Papa, "como voz eminente para a reflexão ética da humanidade", reivindica para a Igreja "o âmbito da razão pública", rejeita nas universidades os "objetivos utilitaristas de curto prazo ou só pragmáticos", estigmatiza uma "cultura fundada em argumentos da moda, sem referência à genuína tradição intelectual".

Depois, no encontro ecumênico com outras Igrejas cristãs (com a presença de dois representantes da comunidade judaica), Bento XVI invocou as "feridas das divisões do passado" entre católicos e protestantes e se remeteu a Yan Hus, herói nacional boêmio, o monge do século XIV que, um século antes de Lutero, se posicionou contra o mercado das indulgências e as riquezas da Igreja. Foi queimado vivo na fogueira pelas suas heresias por ordem do Concílio de Constança de 1435, e Ratzinger citou o acordo vaticano do qual saiu, há dez anos, o "mea culpa" da Igreja ("profundo arrependimento pela cruel morte infligida a Yan Hus"). E pediu iniciativas ecumênicas "não só para prosseguir no caminho da unidade dos cristãos, mas pelo bem de toda a sociedade europeia".

"O Evangelho não é uma ideologia", disse. "Ele transcende as vicissitudes deste mundo e joga nova luz sobre a dignidade da pessoa humana em todas as épocas". Sábado, na fachada do ministério da Educação, havia sido exposto uma faixa, em tcheco e em latim, com os dizeres "Bento XVI, reabilite Yan Hus". Uma mensagem que o Papa leu saindo do santuário mariano em que acolheu o desabafo do cardeal Miloslav Vlk.

"Durante os 20 anos passados em Praga, não consegui alcançar quase nada em nível eclesiástico e político", lamenta o arcebispo, referindo-se ao adiamento da aprovação da lei sobre restituições eclesiásticas, pela disputa da propriedade da Catedral de São Vito que continua sendo de propriedade do Estado e da esquecida Concordata entre a República Tcheca e a Santa Sé. "Esses são os débitos que deixo ao meu sucessor", explica o purpurado, cujo mandato irá concluir em dezembro. "Por parte da Igreja tcheca, havia a vontade, mas faltava a vontade por parte dos políticos".

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