"A Igreja deve se interrogar, a propósito do celibato, assim como do casamento, sobre o compromisso vitalício. A grandeza do amor que se compromete para sempre não pode ser negada. A fidelidade plena a esse primeiro projeto é admirável. Mas o que fazer com aqueles que descobrem uma realidade muito diferente da que haviam imaginado ou ainda dos apelos que os surpreendem no seu impulso?"
Essa é a opinião de Jacques Noyers, bispo emérito de Amiens, na França em artigo para a revista Témoignage Chrétien, n° 3362, 17-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
EIS O TEXTO.
Há muito tempo desejava compartilhar algumas reflexões sobre o celibato dos padres. Não é muito fácil enfrentar esse problema com serenidade quando ele se referiu e se refere a toda a sua própria vida. Não se pode generalizar a sua própria história pessoal. Não é preciso nem esconder a dificuldade do cotidiano atrás de brilhantes teologias, nem condenar um ideal com o pretexto de que nunca ele nunca foi alcançado.
Mas talvez pode-se ver se o "celibato pelo evangelho" é, de fato, um caminho de santidade, isto é, um quadro favorável à realização da personalidade para o anúncio da mensagem de Cristo.
Hoje como ontem, muitos religiosos e padres (perdoem-me pelo fato de que fale aqui só de homens) puderam encontrar na situação de célibes sem filhos uma disponibilidade de tempo e de coração para seguir Cristo pelos caminhos imprevistos da missão. São Paulo soube mostrar que liberdade espiritual havia encontrado nessa escolha. Não ignorava manter desse modo uma atitude contrária à Lei de Moisés (e sem dúvida à moral natural!), mas invocava essa escolha como um novo direito evangélico. Muitos santos fizeram a mesma experiência e mais humildemente muitos padres ainda hoje a prolongam.
Dizer que alguns que haviam se comprometido nesse caminho não souberam permanecer fiéis ou que outros assim permaneceram só por meio de sofrimentos e alguns pecados, não é suficiente para condená-lo. O matrimônio também tem as suas aproximações e as suas feridas. O santo nunca é aquela estátua de mármore sem defeitos que é venerada nas igrejas. O santo é um pecador que responde à graça, às vezes correndo, às vezes se arrastando, às vezes caindo pesadamente no chão.
Porém, não se pode fingir que não vemos aquelas numerosas situações em que, de modo evidente, o celibato não foi o caminho de realização que é descrito nos manuais. Esse urso antissocial, encerrado em seu presbitério-caverna, zeloso pelo seu território e pelo seu poder, poderá até ser fiel ao celibato, mas não dá a idéia de um padre luminoso. Quantas vezes a solidão não é, na realidade, outra coisa que um isolamento em que se esconde mais ou menos bem, nas névoas do álcool e do cigarro, uma desespero trágico. Certamente, sempre se pode perguntar se condições de vida diferentes, uma busca por pessoas mais atentas, uma autoridade mais amiga não teriam evitado isso. Não se pode nem saber o que esse homem teria se tornado se tivesse se casado e fosse pai de família. Mas me parece que esses argumentos sejam apresentados muito frequentemente para não olhar no rosto do verdadeiro problema: o celibato era um caminho adaptado à realização desse homem?
A tradição sabe bem que o celibato não é para todos. Hoje como ontem, os responsáveis pelos seminários se preocupam em exercer um sério discernimento. Mas certamente não se pode aqui falar de evidência. Há dificuldades relacionais que podem parecer disposições à vida célibe. Há orientações sexuais mal aceitas que se busca esconder atrás de uma vida celibatária. Certas paixões intelectuais podem manter um jovem durante um longo tempo em uma adolescência só aparentemente madura. Enfim, não estamos em uma ciência exata. A vida continuará sendo marcada, porém, para sempre, por esse compromisso de um momento.
Notemos ainda que os sinais de uma vocação ao sacerdócio ministerial e os de uma vocação ao sacerdócio não são idênticos. Certamente pode-se pensar que não são contraditórios, mas não é verdade que sejam sempre conciliáveis. É sempre doloroso recusar uma vocação de carismas evidentes porque não há aptidão ao celibato. Em todo caso, ocorre muito frequentemente que se coloque em primeiro plano essa preocupação pelo celibato, antes ainda da aptidão a um ministério luminoso e irradiante. É claro que a ordenação de homens casados daria uma solução a essa dificuldade. Nas condições atuais, a proposta de um diaconato casado evidentemente não é suficiente.
Sem dúvida, devemos também acrescentar que a Igreja deve se interrogar, a propósito do celibato, assim como do casamento, sobre o compromisso vitalício. A grandeza do amor que se compromete para sempre não pode ser negada. A fidelidade plena a esse primeiro projeto é admirável. Mas o que fazer com aqueles que descobrem uma realidade muito diferente da que haviam imaginado ou ainda dos apelos que os surpreendem no seu impulso? Deve-se ignorar o problema e condenar os infiéis à clandestinidade? Deve-se, a todo custo, salvar as aparências para manter o fascínio pelo ideal? Jesus talvez não veio para salvar o homem em vez de julgá-lo? O povo que ele reuniu é um povo de fracos, de doentes e de pecadores ou um exército de heróis e de vencedores? Tudo o que dá a ideia de uma pureza por exclusão desfigura profundamente o evangelho de Jesus Cristo.
Essas poucas reflexões não têm a audácia de propôr soluções gerais e não ignoram a complexidade do problema. Querem apenas encorajar todos aqueles que se esforçam para olhar os olhar os homens com o olhar de misericórdia de Jesus e não com o orgulho pretensioso da Lei. Podemos ter uma santidade que não nos leve a desprezar os pecadores?
Nenhum comentário:
Postar um comentário