Um grupo de frades dominicanos de São Paulo se engajou, na segunda metade da década de 60, na resistência à ditadura militar. Presos em novembro de 1969 por apoiarem movimentos de guerrilha urbana, em especial a Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, os religiosos, após passarem pelo Deops (polícia política) de São Paulo e pelo Dops de Porto Alegre, transitaram, ao longo de quatro anos, por diferentes cárceres paulistas: Presídio Tiradentes, Operação Bandeirantes (Oban, futuro Doi-Codi), quartéis da Polícia Militar, Penitenciária do Estado, Carandiru (Casa de Detenção) e Penitenciária Regional de Presidente Venceslau. A tortura levou um deles, o Frei Tito de Alencar Lima, à morte. Os outros quatro, no entanto, nunca deixaram de denunciar as entranhas desse período. Mais um documento inédito e de inestimável valor histórico dessa via crucis vem a público agora, quatro décadas depois, com o livro Diário de Fernando - Nos cárceres da ditadura militar brasileira, relato do Frei Fernando de Brito sobre o período, que ganhou tratamento literário de Frei Betto.
Digite aqui o resto do postA fé foi a arma de resistência de Frei Fernando de Brito em um ambiente hostil e desumano. Ao longo dos quatro anos em que passou por diversas prisões, o frei registrou o dia a dia no cárcere. Ele anotava em papel de seda, em letras microscópicas, o que via e vivia. Em seguida, desmontava uma caneta Bic opaca, cortava ao meio o canudinho da carga, ajustava ali o diário minuciosamente enrolado e remontava-a. No dia de visita, trocava a caneta portadora do diário com outra idêntica levada por um dos frades do convento.
O medo de ser flagrado pelos carcereiros e o risco permanente de revistas, fizeram com que Fernando destruísse muitas vezes suas memórias passadas para o papel. Daí, algumas imprecisões e lapsos narrativos podem ser notados ao longo da narrativa. As memórias que vivenciou, porém, jamais se esvaeceram, e ultrapassaram os muros das prisões. Frei Betto as resgatou e reuniu neste livro, dando aos relatos um tratamento literário.
Os frades prisioneiros sempre despertaram a desconfiança da repressão. Por isso, eles foram isolados dos demais prisioneiros políticos em meados de 1972, e transferidos para penitenciárias de presos comuns. Em muitos dos episódios relatados, a trajetória dos frades se mescla à de personagens que são, hoje, figura de destaque na história brasileira, como Caio Prado Jr., Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Apolônio de Carvalho, Franklin Martins e Dilma Rousseff, para citar apenas alguns.
Desde 2005, Frei Betto assumiu a tarefa de transformar os diminutos relatos de Fernando em livro. Livro este que não é resultado de uma investigação jornalística, nem de uma pesquisa de historiador, mas sim de um sincero, emocionante e visceral relato de uma das muitas vítimas da repressão da ditadura militar. Está tudo lá: as torturas de prisioneiros, colegas que desapareceram sem deixar vestígio, a desumanidade e monstruosidade dos algozes, as agruras físicas e psicológicas sofridas por Fernando de Brito e seus colegas de cárcere. A liberdade, depois de tanto sofrimento, mereceu apenas poucas linhas de seu diário, que desvenda ainda, de forma emocionante, a subjetividade desses jovens que não temeram sacrificar a própria vida pelo ideal de um Brasil mais justo, livre e democrático.
O autor: Frei Betto é considerado uma das vozes mais ativas na luta pela justiça social na América Latina. Escritor consagrado, vencedor de dois prêmios Jabuti, tem mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior que refletem sua trajetória como militante político e talentoso ficcionista. Este é o quinto livro do autor publicado pela Rocco, que também editou Batismo de sangue¸ A mosca azul, Calendário do poder e A arte de semear estrelas.
Editora Rocco
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