quinta-feira, 31 de março de 2011

AS POUCAS MULHERES COM RESPONSABILIDADE NA IGREJA PROCURAM VISIBILIDADE

Terão talvez assegurada a Jerusalém celeste, mas aspiram cada vez mais a ter também sua porção de glória terrestre. As mulheres, ativas em muitíssimas frentes do catolicismo, apresentam uma miríade de sensibilidades. As religiosas (765.714, dados de 2008, últimos disponíveis na Santa Sé) ultrapassam em número o clero masculino. De fato, apesar do que poderia parecer pela presença de batinas, colarinhos e mitras, em dados a Igreja católica – entendida como coletivo de pessoas que fizeram votos, não como o conjunto dos batizados – é majoritariamente feminina; é composta por 61% de mulheres, organizadas em diferentes ordens religiosas, frente a 39% de homens, entre sacerdotes, bispos, religiosos e diáconos.

A reportagem é de María Paz López e está publicada no jornal La Vanguardia, 29-03-2011. A tradução é do Cepat.

Apesar disso, o governo eclesial, a tomada de decisões, e a visibilidade da instituição estão quase exclusivamente em mãos de varões. Inércias históricas e uma assentada cultura masculina do exercício do poder fazem com que, mesmo em âmbitos eclesiais não vedados à mulher – por carecer obrigações sacramentais, e nos quais, portanto, não se precisa ser sacerdote –, os homens continuem predominando, e costumam ser clérigos.

Resolvido pelos Papas o tema da ordenação sacerdotal feminina – reivindicação que nem todas as católicas compartilham –, uma mulher pode ocupar certos cargos na cúria romana e em cúrias diocesanas; ser núncio (ou seja, embaixador do Papa), reitora de uma Universidade Pontifícia ou decana de uma faculdade.

Dessa maneira, a liderança feminina na Igreja não se efetiva, por mais que pouco a pouco, com lentidão e receios, algumas mulheres estejam ocupando postos de maior relevância. A última a alcançar um alto cargo no Vaticano foi uma leiga italiana, Flaminia Giovanelli. Em janeiro do ano passado, Bento XVI a nomeou subsecretária (isto é, número três) do Pontifício Conselho Justiça e Paz, organismo similar ao ministério em um Governo, neste caso dedicado aos direitos humanos e à justiça social.

“Não acredito que a nomeação de Giovanelli signifique uma guinada política no Vaticano – afirma a jornalista austríaca Gudrun Sailer, autora do livro Frauen im Vatikan (Mulheres no Vaticano) –, mas antes em que o Papa alemão não se opõe a decisões ‘pró-mulher” em nomeações de empregados se a pessoa em questão estiver capacitada”. Com igual cargo que Giovanelli circula pelos palácios vaticanos a salesiana italiana Enrica Rosanna, subsecretária da Congregação para a Vida Consagrada, que foi nomeada em 2004 por João Paulo II.

No vasto mundo, conta muito a herança sociocultural do país. Assim, nos Estados Unidos não faltam mulheres com responsabilidades na Igreja católica, que se desenvolveu ali como minoria em uma cultura predominantemente protestante. Ali, a paisagem religiosa está muito profissionalizada e, como em toda sociedade ocidental secularizada, diminuíram as vocações para o sacerdócio.

Essas são, na opinião de Helen Osman, diretora de Comunicação da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, as razões pelas quais “a Igreja aqui tende a conferir alto valor à educação profissional e promoção do laicato, sejam mulheres ou homens, para servir na Igreja em áreas que não requerem ordenação sacerdotal”. Resultado: “Nas últimas décadas, um número crescente de mulheres competentes e preparadas ascenderam a postos de liderança em paróquias, dioceses e em nível nacional – afirma Osman. Isso reflete os progressos das mulheres na sociedade”.

Na Espanha, há mulheres na pastoral, na comunicação, na chancelaria, na catequese... de várias cúrias diocesanas, mas a amplitude da sua participação está longe de alcançar as cotas norte-americanas. “Em países anglo-saxões vi casos estabelecidos de participação das mulheres na Igreja; talvez seja uma coisa cultural, ou talvez reflita a história dos movimentos de mulheres nesses países – concilia Elisabeth M. Doherty, responsável pela Comunicação da Conferência dos Bispos da Austrália. Mas também vi casos relevantes de liderança feminina na Igreja em países tão diferentes como o Paraguai, Camboja, México e inclusive Itália”.

Outra questão é que estas e outras mulheres com cargos eclesiais tenham a mesma visibilidade social e midiática que seus homólogos varões. “Muitas vezes, mulheres com peso determinante estão em escritórios e que ninguém sabe – argumenta a teóloga Míriam Díez Bosch, professora da Universidade Abat Oliba-CEU. O estilo de governo na Igreja necessita que essas mulheres estejam mais expostas à ágora midiática, mas às vezes elas mesmas não têm nenhum interesse em aparecer”.

Razões pelas quais resistem em sair na foto: “Pode se tratar de uma atitude pouco assertiva, de desinteresse pela ambição e pelo desempenho público de suas funções, de uma estratégia de manutenção do cargo, ou de uma dinâmica de acreditar mais no serviço que no poder”, enumera Díez Bosch. E conclui: “A contribuição feminina à Igreja, em presença pública, é ainda frágil”.

Possivelmente, a católica mais midiática do século XX foi a Madre Teresa de Calcutá, ganhadora do Nobel da Paz, falecida em 1997 e beatificada por João Paulo II. Seu halo acompanhou sua sucessora à frente das Missionárias da Caridade, Irmã Nirmala, que, por sua vez, deixou o cargo de superiora em 2009.

Também a jurista norte-americana Mary Ann Glendon, presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, gozou de prestígio, ela que em 1995 obteve notoriedade ao liderar a delegação vaticana na Conferência Mundial sobre a Mulher da ONU, em Pequim. Durante alguns meses foi embaixadora de seu país na Santa Sé.

Segundo Gudrun Sailer, as dinâmicas televisivas amplificam o escasso papel que a Igreja confere às mulheres. “A televisão trabalha com imagens, e uma batina reflete per se o fato de estar inserido na hierarquia eclesiástica – raciocina Sailer. Consequentemente, os leigos e, de modo particular as mulheres, se veem menos presentes que o clero inclusive ali onde desempenham funções de destaque”.

Por essa regra de três, as freiras – muito televisivas, porque vestem hábito – não costumam faltar nas imagens sobre eleições, nas quais, indefectivelmente, aparecem sorridentes e votando.

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